Caso mensalão: Julgamento ou atropelamento do Direito?

Será que os netos de alguns juízes do STF se orgulharão dos avôs no futuro?

Sem provas de desvios de recursos, causas para incriminar acusados passaram a ser procuradas com lupa, com justificativas pífias (CC/Jsome1)

Quando houve a investigação do contrato de publicidade da Câmara dos Deputados com a agência de publicidade de Marcos Valério, as suspeitas iniciais eram de que seria um contrato de fachada, simulando serviços, apenas para esquentar desvio do dinheiro, dando aparência de legalidade.

Após exaustivas investigações verificou-se que houve processo licitatório público, com ampla concorrência e acirrada disputa, além de ficar comprovada a execução dos serviços, efetivamente prestados, inclusive com a maior parte do dinheiro pago para veículos de comunicação tradicionais, o que afastou em definitivo as suspeitas iniciais de contrato de fachada para enriquecimento ilícito pessoal ou para fins políticos.

De um contrato de R$ 10,6 milhões, a própria denúncia confirma que mais de R$ 7 milhões foram pagos a fornecedores como Grupo Globo, Grupo Abril, Grupo Folha, Grupo Estado, Zero Hora, Diário Associados, etc. Outra parte foi paga a outros fornecedores como produtoras de vídeo, gráficas, etc., e uma pequena parte, pouco mais de R$ 1 milhão, segundo a própria denúncia do Procurador-Geral, foi a parte do dinheiro que coube à agência de publicidade como seus honorários e/ou margem de lucro.

A partir daí a denúncia tornou-se extremamente frágil e a investigação ganhou ares de perseguição ao então presidente da Câmara João Paulo Cunha (PT-SP). 

Na falta de desvio de verbas na execução do contrato, passou-se a procurar com lupa alguma coisa questionável do ponto de vista administrativo para adaptá-la aos anseios de condenação com base no código penal.

Se não há desvio, então, para forçar uma condenação, por que não interpretar a margem de lucro ou honorários da agência como sendo o próprio desvio?

É o que foi feito. Alegou-se que a agência subcontratou quase 100% dos serviços, o que conflita com análise do TCU, mas mesmo que não fosse desmentido, coitado do maestro que ganhar verbas de incentivo à cultura para execução de espetáculos sinfônicos. Ao não tocar nenhum instrumento – apenas reger a orquestra – corre o risco de ser acusado de subcontratar 100% dos serviços, dependendo da cabeça do juiz. Por fim, essa discussão estaria no campo administrativo, fora da esfera penal.

Aliás, se fosse adotar esse rigor interpretativo, como a ministra do STF Rosa Weber explicaria qual o percentual de terceirização de seu voto, através da assessoria a que recorreu, do juiz federal Sérgio Fernando Moro, da 2ª Vara Federal Criminal de Curitiba?

Inclusive, para nós, cidadãos leigos, é difícil entender o STF ter recusado o desmembramento do processo para réus sem foro privilegiado e, paradoxalmente, chamar um juiz de primeira instância para instruir um ministro na formulação do voto.

Da mesma forma, outra questão administrativa, a contratação de assessoria de imprensa, efetivamente prestada, foi interpretada pela denúncia, como um surreal peculato, na fúria inquisitória pela condenação.

Outro ministro do STF, Luiz Fux, chegou a dizer que se a Câmara tinha funcionários próprios na área de comunicação social, não poderia contratar terceiros, como se a especialização e dimensão de determinados serviços não exigissem contratação de mão de obra mais específica ou suplementar.

Aliás, Fux poderia consultar o portal da transparência do próprio STF, para verificar que sua própria casa de trabalho contrata mais de 1.000 funcionários terceirizados. Com certeza encontrará casos em que atuam na mesma área onde existem funcionários concursados.

Teses como negar benefício da dúvida, quando há razoabilidade, condenar com base em mero “domínio do fato”, independente de autoria, mais cedo ou mais tarde, acabarão por voltarem-se contra um ou outro algoz de hoje. Quem viver, verá.

Qualquer que seja o resultado desse julgamento, quando o tempo se encarregar de baixar a poeira, tenho a impressão de que os netos de João Paulo Cunha se orgulharão do avô no futuro. Já os netos de alguns juízes do STF não tenho tanta certeza, sobretudo se vierem a estudar direito.