Ancestral do ‘mensalão’, julgamento de 1789 produziu ao menos um mártir. E vários juízes esquecidos

O problema de julgamentos políticos é que não são resolvidos, ficam em aberto, com a névoa da dúvida pairando no ar. As sentenças são como almas vagando no purgatório, em busca da verdade, para poderem descansar em paz

Em 18 de Abril de 1792, oito juízes condenaram 29 réus no julgamento da Inconfidência Mineira. O mais famoso deles, como se sabe, era Tiradentes. Eis o trecho principal de sua sentença:

“Portanto condenam ao réu Joaquim José da Silva Xavier, por alcunha de Tiradentes, Alferes que foi da tropa paga da Capitania de Minas, a que com braço e pregação seja conduzido pelas ruas públicas ao lugar da forca e nela morra de morte natural para sempre, e que depois de morto lhe seja cortada a cabeça e levada a Vila Rica, onde em lugar mais público dela será pregada, em um poste alto até que o tempo a consuma e o seu corpo será dividido em quatro partes, e pregado em postes, pelos caminhos de Minas Gerais, no sítio de Varginha e das Cebolas, onde o réu teve suas infames práticas, e os mais nos sítios de maiores povoações até que o tempo também os consuma; declaram o réu infame, e seus filhos e netos, tendo-os os seus bens aplicam para o fisco e Câmara Real, e a casa em que vivia em Vila Rica será arrasada e salgada, para que nunca mais no chão se edifique, e, não sendo própria, será avaliada e paga a seu dono pelos bens confiscados, e no mesmo chão se levante um padrão, pelo qual se conserve a memória desse abominável réu”.

A memória de Tiradentes ficou vagando no purgatório por quase 100 anos. Nem com a independência em 1822, sua luta e martírio foi reconhecido. Afinal, os imperadores Pedro I e Pedro II eram descendentes da rainha que mandou o alferes à forca, e preferiam “esquecer” o assunto, além de acharem inconveniente a veneração de alguém que defendeu ideais republicanos contrários à monarquia. Tiradentes só foi reabilitado na história do Brasil com a Proclamação da República.

Apesar de os fatos originários dos respectivos processos serem completamente diferentes, a sentença de Tiradentes tem um conteúdo de condenação política tão forte, e de desrespeito aos direitos fundamentais (a ponto de condenar até os netos), que lembra em muito o que está ocorrendo hoje com José Genoíno, José Dirceu e Delúbio Soares, ainda que a dosimetria de suas penas não chegue ao ponto do esquartejamento.

Nos dois casos há a clara disposição para fazer condenações “exemplares”, com execração pública. Tiradentes e os 28 co-réus do processo foram condenados pela “infâmia” contra a rainha imperialista, pelo movimento rebelde de independência, que seria seguida pela proclamação da República.

No caso dos petistas, a maior “afronta” foi o PT não ficar no poder só os quatro anos que seriam “tolerados” para um mandato desgastante, cair fora e “devolver a casa” em 2006 para a aliança demotucana, que lá tinha estado pelos últimos quinhentos e tantos anos, se considerarmos a genealogia política, representando os banqueiros, os “investidores” estrangeiros, os barões da mídia, as grandes corporações exploradoras das riquezas da pátria em detrimento dos interesses do povo brasileiro etc.

Afronta das afrontas cometida pelo PT no poder foi trazer a base parlamentar fisiológica, por meio de acordos políticos legítimos e corriqueiros (ainda que de ética questionável), para apoiar os interesses do povo brasileiro em detrimento dos antigos vendilhões da pátrias.

Exceto o caixa 2 partidário, Genoíno, Dirceu e Delúbio foram, ao contrário de Tiradentes, condenados agindo dentro dos limites da ordem das instituições democráticas vigentes, tais como respeitar as prerrogativas de parlamentares, mesmo que fisiológicos, com seus votos conquistados nas urnas e seus diplomas de posse garantidos pela Justiça Eleitoral.

Num regime pluripartidário, a lei permite aos partidos formarem blocos no Congresso, e a parlamentares votarem conforme suas prerrogativas. Nas democracias pluripartidárias como a brasileira é essencial que partidos e parlamentares componham a base de apoio do governo vigente. Por outro lado, a lei permite coligações formais e apoios informais durante as campanhas eleitorais.

A lei, aliás, determina que o financiamento de campanhas seja feito por meio de doações privadas, e permite a captação de recursos entre os partidos e exige que esse fluxo de recursos sejam claro e transparente. E esse sim foi o erro do PT, que preferiu o caminho do Caixa 2. 

Genoíno, Dirceu e Delúbio sofreram condenações meramente políticas, resultado de perseguição dos juízes do STF, ao interpretar atividades políticas legítimas como se fossem co-autoria de eventual delito de outros. Delito de fato do núcleo político, sobra apenas – repito – o caixa 2, inclusive admitido por Delúbio.

Hoje, a sentença do julgamento de Tiradentes mostra a barbárie do colonialismo de um reinado absolutista. E no julgamento do “mensalão” quem estará com a cabeça e membros pendurados nos postes do século XXI, ou seja, na internet, para apreciação pública, serão os autos do processo e a sentença dos magistrados.

Não serão necessários 100 anos para historiadores, juristas, alunos de direito e de ciências sociais, repórteres investigativos, escritores, ativistas, apontarem as contradições jurídicas e perseguição política ali contidas. A verdade virá à tona muito mais rapidamente.

Ah… E Tiradentes virou feriado nacional. Os oito juízes que assinaram a sentença de morte estão sepultados na história, com seus nomes esquecidos por sua insignificância. Até o traidor Joaquim Silvério dos Reis é um nome mais lembrado que aqueles dos vetustos defensores do poder.

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