‘Rolo compressor’ da Prefeitura persegue ambulantes em São Paulo

A prefeitura de São Paulo liderada por Gilberto Kassab (PSD) está realizando um ataque aos trabalhadores ambulantes da cidade. A denúncia é feita por Luciana Itikawa e Juliana Avanci, da […]

A prefeitura de São Paulo liderada por Gilberto Kassab (PSD) está realizando um ataque aos trabalhadores ambulantes da cidade. A denúncia é feita por Luciana Itikawa e Juliana Avanci, da equipe do projeto “Trabalho Informal e Direito à Cidade”, do Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos.

O projeto desde janeiro de 2011 acompanha trabalhadores informais -ambulantes e subcontratados latinos no ramo da costura na região central de São Paulo – realizando um diagnóstico de sua situação e ações de advocacy (atendimento jurídico, formação e articulação de lideranças de trabalhadores para ocuparem os espaços de negociação coletiva).

No caso dos ambulantes, o trabalho começou com grupos das regiões do Bom Retiro e Brás, mas se estendeu para toda a cidade. “O projeto conseguiu reunir os grupos e estabelecer pontos em comum. Ficou claro que o processo que ocorre hoje na cidade acontece em todas as regiões. São cassações em série das licenças para trabalhar como ambulante, um verdadeiro rolo compressor”, afirma Luciana.

Ela afirma que, em 2004, na época em que a Marta Suplicy era prefeita, existiam 4 mil licenças para cerca de 120 mil ambulantes. Hoje, segundo um estudo do Dieese, são em torno de 100 mil ambulantes com apenas 500 licenças, dez vezes menos. “Subprefeituras inteiras com tradição no comércio de rua cassaram todas as licenças, como Santo Amaro, com o comércio do Largo 13, ou Santana, na Voluntários da Pátria”, conta Luciana, que acompanha a situação desde 2000.

Além das cassações, os ambulantes têm sofrido uma série de outras arbitrariedades da Prefeitura que fazem parte de um pacote que a pesquisadora entende buscar a extinção da categoria. “São multas sem justificativa, de valores de até R$ 500. É um ataque para eliminar qualquer forma de resistência”.

A abordagem dos guardas municipais é extremamente agressiva e não respeita os procedimentos previstos na lei. As apreensões só poderiam ser feitas com o acompanhamento de um agente da prefeitura, o que não acontece. As mercadorias deveriam ser lacradas e levadas para um depósito. A lei prevê um prazo de 15 dias para que o ambulante possa entrar com um recurso, mas isso não é respeitado.

A situação se tornou mais complicada com a Operação Delegada, convênio da prefeitura com a Polícia Militar. “Depois do horário de trabalho, os PMs ganham um extra com a fiscalização dos ambulantes. Oficializaram o bico dos policiais”, diz Luciana. Segundo ela, documentos da prefeitura mostram que são destinados R$ 150 milhões para a operação. “Esse dinheiro poderia ser usado em equipamentos, como shoppings populares, melhorando as condições de trabalho dessas pessoas, mas a opção é por violência e humilhação. As ações são ainda mais fortes contra as lideranças dos movimentos”, conta.

Diálogo social

A gestão de Gilberto Kassab modificou o papel das comissões permanentes de ambulantes, existentes em cada subprefeitura e que visam ampliar o diálogo com atores sociais envolvidos. Antes, todas as cassações de licenças passavam por suas reuniões, que tinham caráter consultivo. Hoje, os encontros quase não acontecem e têm caráter apenas informativo. “É como se estivessem apenas avalizando a cassação, não realizando dialogo social sobre a questão”, diz Luciana. “Temos parceria com uma entidade de ambulantes da África do Sul e eles disseram que nossa legislação é a mais avançada do mundo em termos de dialogo social, mas a prefeitura está acabando com isso”, lamenta.

Ainda há várias ações da Prefeitura através de portarias que dificultam a atividade dos vendedores ambulantes. Uma delas, editada em 2009 e renovada ano após ano, proíbe a concessão de novas licenças.  Outra força os vendedores a se constituírem legalmente como micro-empreendedores individuais. A medida poderia ser benéfica, uma vez que os trabalhadores passariam a ter direitos como o INSS. No entanto, há um problema: os micro-empreendedores são Pessoa Jurídica, e a legislação atual permite apenas que pessoas físicas trabalhem como ambulantes. “Com isso, eles teriam que sair das ruas, mas a prefeitura não criou alternativas como a construção de shoppings populares”, lamenta.

Uma das justificativas mais habituais para a perseguição aos ambulantes é refutada pela pesquisadora: o combate à venda de produtos falsificados. Segundo ela, quem tem licença já é diariamente fiscalizado por policiais e agentes vistores da prefeitura em relação ao tipo e origem da mercadoria que vendem. “Ele usam esse argumento para justificar essa cassação indiscriminada das licenças, mas hoje é praticamente impossível vender pirataria com permissão”, avalia.

Iniciativas populares

Uma das dificuldades dos trabalhadores, segundo Juliana, é exatamente a relação com as sub-prefeituras. “Não existe uma secretaria ou órgão a que eles possam recorrer, apresentar suas demandas, a relação é fragmentada nas subprefeituras”, explica. “Eles enfrentam a burocracia e a perseguição do Estado e, quando existe alguma política pública, ela é fragmentada. Mas eles têm conseguido se organizar.”

O Centro Gaspar Garcia acompanha duas iniciativas de trabalhadores ambulantes que estão se auto-organizando para buscar soluções para seus problemas. A primeira acontece no Brás, onde um grupo de cerca de 30 trabalhadores bolivianos e peruanos estão se organizando para alugar um espaço e sair das ruas.

“Estão formando uma associação e tentando achar local para alugar e exercer sua atividade. Estão organizados, elegendo coordenação da entidade, definindo a finalidade da associação. Eles foram enganados numa experiência anterior, mas agora estão animados”, diz Juliana. Todos eles são ligados à cadeia da costura, produzindo em casa roupas e bolsas. Um dos objetivos da empreitada é cortar os intermediários na venda de seus produtos. 

A outra forma de organização que tem crescido é mais ampla. São os ambulantes de toda a cidade que, por meio do projeto, descobriam seus problemas comuns e estão se organizando para cobrar da prefeitura uma mudança na situação. “Há uma grande falta de espaços de participação política, controle social, debate de políticas públicas. Isso é um debate que ainda está no começo com eles. É um desafio muito grande, por conta da fragmentação nas subprefeituras. Mas as lideranças de várias regiões têm sentado para discutir uma pauta comum de reivindicação para o próximo governante da cidade”, conta. 

Ela avalia que essa fragmentação impede que o problema seja analisado no contexto da cidade como um todo, que é “a perseguição que a prefeitura tem feito à população mais vulnerabilizada, aos moradores de rua, ambulantes, à população carente que mora no centro”. “Tira a questão desse contexto, de supervalorização do capital imobiliário e expulsão desses trabalhadores do centro. Essa é a tônica da prefeitura hoje”, afirma a pesquisadora. “Os trabalhadores estão exaustos da prefeitura tratar o problema como caso de polícia. Não sentam para conversar, jogam para as sub-prefeituras, hoje quase todas comandadas por coronéis da PM, existe mentalidade militar. É um cenário de violações que os ambulantes estão tentando enfrentar”, afirma. 

 

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