História holandesa mostra importância da mobilização social

A Holanda é certamente uma das referências mundiais em uso das bicicletas como meio de transporte. Hoje, metade da população do país utiliza as magrelas cotidianamente para ir e vir […]

A Holanda é certamente uma das referências mundiais em uso das bicicletas como meio de transporte. Hoje, metade da população do país utiliza as magrelas cotidianamente para ir e vir do trabalho, escola etc., favorecidos por uma malha de ciclovias que atravessa o país. Mas isso nem sempre foi assim. O vídeo abaixo, produzido pelo blog Bicycle Dutch, mostra um resumo dos processos que levaram os holandeses a optarem pelo investimento nas bicicletas como meio de transporte em detrimento dos carros.

Segundo o vídeo, as bicicletas eram largamente utilizadas pelos holandeses antes da popularização dos carros, que acontece após a Segunda Guerra Mundial. Com a reconstrução do país e o ciclo econômico positivo que movimentou a Europa, a renda média dos holandeses cresceu 22% entre 1948 e 1970. Com o aumento do poder aquisitivo, aumentaram também os carros nas ruas, especialmente a partir do final da década de 1950.

Com isso, muitos governos removeram ciclovias, prédios foram demolidos, praças se tornaram estacionamentos, tudo para abrir espaço para mais carros. A distância diária percorrida pelo holandês aumentou de 3,9 km em 1957 para 23,2 km em 1975, modificando a relação da população com as cidades.

Uma mudança mais trágica veio dos acidentes de trânsito. Em 1971, foram registradas 3.300 mortes no transito – 400 delas de crianças de menos de 14 anos. As mortes mobilizaram a sociedade holandesa, que foi para as ruas exigir mais segurança. Pouco depois, veio a Crise do Petróleo, em 1973, levando os holandeses a repensar sua vida para diminuir sua dependência energética.

“Políticas para encorajar o ciclismo se encaixavam perfeitamente naquele cenário”, afirma o vídeo. “Protestos de massa de ciclistas por cidades de toda a Holanda por facilidades para pedalar criaram uma consciência que eventualmente mudou o pensamento sobre as políticas de transporte.”

Várias políticas foram adotadas, como os domingos sem carro e a proibição permanente de circulação de automóveis nos centros de algumas cidades. A partir da metade dos anos 1970, cidades começaram a experimentar vias segregadas para ciclistas, diminuindo o espaço dos carros nas ruas. As primeiras foram criadas em Tilburg e Haia, levando a um rápido aumento da utilização de bicicletas. O modelo foi seguido em todo o país, levando à situação que vemos hoje. E as mortes de crianças no trânsito caíram dos 400 de 1971 para 14 em 2010.

O urbanista Ricardo Correa, sócio da TC Urbes, empresa de consultoria em mobilidade sustentável, conta que no final dos anos 1970 o país já era uma referência para a Europa, tendo influenciado o planejamento urbano de Alemanha e Dinamarca. Esta adaptou o modelo holandês e hoje sua capital, Copenhagen, registra o maior número de viagens diárias de bicicleta, em torno de 50% do total, ultrapassando a holandesa Amsterdã, com cerca de 35% das viagens feitas por bicicleta.

“E isso numa cidade em que faz temperaturas de 15° negativos”, destaca Correa, que defende a inclusão das bicicletas nas políticas públicas de transporte em cidades brasileiras. “Prefiro subir do Parque do Ibirapuera para o Paraíso de bicicleta do que pedalar nessa temperatura. Não existe cidade perfeita para a implantação da bicicleta como meio de transporte”, completa.

A história é interessante por nos lembrar que as cidades são historicamente construídas. Foram decisões, pressões e movimentos políticos que determinaram as virtudes e defeitos que cada local apresenta hoje – e os mesmos processos podem levar a mudanças. Nada está escrito na pedra, nem mesmo o trânsito caótico de São Paulo.

Nesse sentido, Ricardo acredita que a sociedade civil brasileira está vivendo um processo de amadurecimento e está criando as condições para que possamos desenvolver um modelo próprio de mobilidade urbana. “Assim como aconteceu na Holanda, aqui a gente vem numa dinâmica crescente que não se percebe tanto. A sociedade civil está se organizando. A nova Política Nacional de Mobilidade Urbana é um fruto dessa organização. Agora, há um instrumento mais claro para fazer pressão sobre o poder público”, afirma.

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