Favela do Moinho: medidas da Prefeitura podem expulsar moradores para periferia

“Estamos aguardando para ver se vai ser feito acordo, se terá nova proposta. Estamos na rua, sofrendo, pegando chuva, não temos onde por nossas coisas. Bem ou mal, eu tinha […]

“Estamos aguardando para ver se vai ser feito acordo, se terá nova proposta. Estamos na rua, sofrendo, pegando chuva, não temos onde por nossas coisas. Bem ou mal, eu tinha meu barraco, minhas coisas e tinha esperança de conseguir comprar uma casa. Agora não tenho esperança de nada, só tenho medo de chegar a aumentar a população de rua por falta de atendimento da prefeitura.”

O relato de Carla Lúcia Schuh, moradora da favela do Moinho, na região central de São Paulo, retrata a triste situação vivida pelos moradores desde o dia 27 de dezembro, quando um incêndio destruiu barracos e deixou desabrigadas centenas de famílias. Até agora, a prefeitura comandada por Gilberto Kassab (PSD-SP) ofereceu apenas um auxílio-aluguel de R$ 300 por 30 meses – valor muito abaixo dos aluguéis da região – e uma promessa vaga de construção de moradias ao final do período, sem especificar o local. A proposta foi rejeitada pelos moradores em assembléia e a situação permanece paralisada.

A lentidão e negligência do atendimento contrastam com a rapidez com que foi julgado e atendido o pedido de liminar feito pela Prefeitura para realizar a implosão do prédio onde ficava a antiga sede da empresa Moinho Santa Cruz, que dá nome à comunidade. “Impressionante como, na hora em que há o interesse do poder público ou do poder econômico, as decisões são rápidas. A discussão em relação ao prédio é antiga, não foi apenas o incêndio que colocou o prédio em risco”, afirma Luiz Kohara, engenheiro e pesquisador do Centro Gaspar Garcia, entidade que atua na defesa dos direitos de pessoas em moradias precárias e situação de rua no centro de São Paulo.

Segundo ele, em geral, o poder Judiciário não leva em conta o problema social grave que é a questão da moradia. “A maioria dos juízes se pauta apenas no direito civil, na lei de locação: não pagou aluguel, não tem direito a ficar ali”, afirma.

O princípio da função social da propriedade, previsto na Constituição Federal de 1988, é quase ignorado. “É uma referência muito pouco aplicada, são raríssimas as exceções”, diz Kohara. “A Constituição Federal, no Estatuto da Cidade, prevê que o IPTU seja progressivo. Se o imóvel não tem função social, o valor do imposto deveria ter um aumento progressivo, mas isso não acontece. E, se mesmo com essa sanção o proprietário não dá uma função, é possível realizar a desapropriação”, explica.

Ele conta um caso enfrentado pelo Centro Gaspar Garcia com a ocupação de um prédio na Rua Brigadeiro Tobias, região da Luz. “O proprietário havia comprado o edifício em um leilão, com uma dívida altíssima de IPTU (Imposto Territorial Urbano), e não pagou. O prédio ficou abandonado por muitos anos, não tem função social nenhuma. Quem deveria sofrer sanções da Justiça era o proprietário, que está descumprindo a lei. Tanto a dívida quanto a desocupação são motivos para que o imóvel seja encaminhado para desapropriação. Mas o juiz só olha que as pessoas estão ocupando um imóvel que não é de sua propriedade”.

Kohara lembra ainda da questão da favela Vila Esperança, há mais de 50 anos instalada na região do Butantã. Mesmo assim, um juiz ordenou o despejo e utilizou um argumento curioso: o aquecimento global. “Ele afirmou que o local teria sido área de Mata Atlântica e os moradores teriam destruído. Em cima de argumentos até atuais, como a preservação ambiental, se faz a mesma pratica antiga e conservadora”, conclui.

Desamparados

No caso da favela do Moinho, a posse do terreno é disputada pela prefeitura desde 2006, ano da posse de Gilberto Kassab (PSD). A área originalmente pertencia à Rede Ferroviária Federal S/A (RFFSA) e foi leiloado em 1999. Os moradores da favela do Moinho ocupam o local há quase 30 anos e conquistaram em primeira instância na Justiça o direito de usucapião coletivo. Com isso, foram interrompidas as ações de despejo movidas pela Prefeitura. Agora, a pressão parece voltar em meio da tragédia das famílias.

“Se vê claramente pelas atitudes da prefeitura que não querem resolver a questão da população do local. A prefeitura quer dar outra finalidade para o terreno e está aproveitando o momento para tirar as pessoas de lá”, diz Kohara.

Alguns moradores, que tiveram seus barracos queimados, receberam uma ajuda de custo para comprar outro. O valor varia, mas não ultrapassa R$ 2 mil. “Esse valor é insuficiente. O máximo que a família vai conseguir é comprar os materiais para construir outro barraco em local de risco”, afirma Kohara. “A prefeitura precisa dar para essas pessoas uma solução habitacional na região central. Soluções provisórias acabam apenas transferindo as famílias de uma situação de risco para outra”, completa.

“A população do local tem capacidade financeira muito baixa. Muitas famílias já tiveram a experiência de enfrentar despejos e sabem que soluções desse tipo não resolvem”, afirma Luiz Kohara. O resultado das medidas pode ser a expulsão das famílias para bairros periféricos, causando graves prejuízos.

“Se eu for para a periferia, perco o emprego, meu trabalho não paga condução. E eu já estou em uma idade em que é difícil arranjar outro”, afirma Carla. Ela destaca ainda que seus filhos perderiam a vaga na escola. “Sem emprego, e com três filhos fora da escola, o que se sugere que eu faça? Sem renda e sem ter como sustentar meus filhos, de que adiantaria uma casa?”, questiona.

A situação dos demais moradores é semelhante, especialmente no caso dos catadores de material reciclável. “Esse pessoal tem sua coleta e vive dela. Na periferia não conseguiriam coletar a mesma quantidade. Outras pessoas trabalham como diaristas em casas no centro e os patrões não aceitariam pagar os gastos com transporte”, afirma.

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