No Rio de Janeiro, o horror à gente diferenciada volta a atacar

Manifesto do Projeto Segurança Ipanema elenca razões para o bairro não receber uma estação do metrô (Foto: Reprodução) Neste dia 22, está programada uma manifestação contra a construção de uma […]

Manifesto do Projeto Segurança Ipanema elenca razões para o bairro não receber uma estação do metrô (Foto: Reprodução)

Neste dia 22, está programada uma manifestação contra a construção de uma estação do Metrô em Ipanema, no Rio de Janeiro, mais precisamente na Praça Nossa Senhora da Paz. O protesto está sendo organizado pelo Projeto de Segurança Ipanema, uma organização de moradores. A coordenadora do PSI, Ignez Barreto, afirmou ao jornal O Globo que a estação prejudicará o bairro, que é famoso por se “charme, comércio de alto nível e serviços sofisticaods”. Para ela, a estação na praça também “afetará a segurança pública”. Busquei contato com o projeto durante todo o dia, mas não obtive resposta.

Ao ouvir esse tipo de argumento, é impossível não lembrar da resistência dos moradores de Higienópolis, em São Paulo à construção de uma estação de metrô no bairro. A vitória do lobby dos moradores na negociação com o governo do estado levou à organização do Churrascão da Gente Diferenciada, protesto bem-humorado que conseguiu chamar grande atenção sobre o tema.

A distância de uma Via Dutra entre as cidade não impede que os argumentos dos moradores dos dois bairros sejam muito semelhantes. Com um verniz sofisticado, os descontentes demonstram um medo exacerbado de que “suas” vizinhanças sejam invadidas por pessoas que não estavam lá antes, e que não são bem-vindas. Todos os argumentos estão expostos no manifesto publicado pelo grupo, na figura acima.

Ouso acrescentar uma especificidade de Ipanema, que apesar de não ser citada no manifesto acredito ser importante. A praia de Ipanema ganhou muitos visitantes da Zona Norte do Rio quando a estação Ipanema/General Osório, na divisa do bairro com Copacabana, foi inaugurada, em 2009. A praia ficou ainda mais lotada do que já era, numa faixa de areia que só diminui de tamanho. Mais estações de metrô significaria mais gente na praia, com mais facilidade de acesso para pessoas de baixa renda.

Infelizmente, o benefício do metrô para a cidade não é levado em consideração pelos manifestantes. O fato de que a praça é tombada desde 2003 não impede a abertura de uma estação nas imediações. Ao contrário de São Paulo, as estações de metrô no Rio são mais modestas, em muitos casos apenas uma abertura no chão para as escadas rolantes. Ainda que haja algum projeto maior, uma negociação com o Metrô bastaria para preservar a praça. Outra questão difícil de entender é o argumento de que estações não precisam ficar a 55m metros uma das outras. Sim isso é verdade, mas a distância entre a praça e a estação General Osório é de um quilômetro; já a distância entre essa estação e a próxima programada é um pouco maior. Não compreendo o uso de um argumento falso.

A questão mais importante levantada pelo grupo opositor á estação é a da segurança pública. É interessante como o medo do diferente está entranhado na mente dos moradores de bairros ricos. A presença do metrô não tem nenhum motivo para atrair um fluxo muito maior de pessoas do que as que já passam por Ipanema. O bairro é um corredor de tráfego importante, por onde passam dezenas de linhas de ônibus. Na realidade, é possível que o número de ônibus diminua, melhorando ainda mais a qualidade de vida do local. Um menor número de ônibus significa menos ruído e menos poluição. Além disso, quem trabalha na região terá a locomoção facilitada, provavelmente ganhando um tempo que hoje é gasto no trânsito. É um cenário em que todos ganham.

A questão da preservação do comércio de alto nível é risível. Pessoas pobres não frequentam ruas de comércio de luxo, porque não há nada lá para elas. Esses locais são normalmente bunkers de riqueza que não podem ser acessados por pobres, não importando se estão no meio da cidade. Além disso, nas metrópoles mundiais mais procuradas para compras de luxo, há estações de metrô convivendo muito bom com lojas de luxo. Em Nova York, a região da Quinta Avenida e da Madison Avenue tem estações por todos os lados. Em Londres, apenas 300 metros separam a Harrod’s, magazine de luxo, da estação de metrô Knightsbridge. Em Paris, há três estações ao longo da Champs-Elysées. Não exite razão para que não aconteça o mesmo no Rio de Janeiro, a não ser o preconceito de seus próprios moradores. Tomara que aqui esse tipo de argumento tenha menos apelo nas instâncias governamentais.

 

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