Reações sobre a não-estação Angélica

(Foto: Wikicommons) Ontem pelo manhã, antes que o tema se tornasse o hit do dia, escrevi um texto sobre a decisão do Metrô em não construir a estação Angélica, depois […]

(Foto: Wikicommons)

Ontem pelo manhã, antes que o tema se tornasse o hit do dia, escrevi um texto sobre a decisão do Metrô em não construir a estação Angélica, depois da pressão da associação de moradores do local. Acho que vale a pena recuperar o assunto e pensar sobre as reações que o fato provocou.

O texto Droga de Elite, de Fernando Canzian, publicado no site da Folha, deu voz à indignação da maioria dos moradores de São Paulo que se sentiram ofendidos com o absurdo de recusar uma estação de Metrô perto de casa, algo que povoa a imaginação de muita gente que mora longe das linhas já existentes. Metrô perto de casa sempre foi meu sonho de consumo, e acredito que de 90% da periferia. Mas voltando ao texto, diz Canzian: “Reclama-se muito que São Paulo não consegue ser cosmopolita, democrática. Vamos a Nova York e à Europa e voltamos deslumbrados. Carentes da não dependência do carro e saudosos de ‘civilização’”. A coluna foi recomendada por mais de 6 mil pessoas no Facebook e por incontáveis usuários no Twitter.

E foi no Twitter que o processo de ridicularização da ‘elite de Higienópolis’ continuou. Pela manhã, o termo Higienópolis figurou por horas entre os mais comentados no Brasil. À tarde, a coletividade virtual aproveitou uma declaração infeliz de uma psicóloga, moradora do bairro, e criou a tag #gentediferenciada. Em entrevista à própria Folha no ano passado, essa moradora (não vou repetir aqui seu nome) rejeitou a ideia do Metrô no local porque a estação poderia atrair “uma gente diferenciada”.

Gente diferenciada do facebook, convite do evento churrascão (Foto: Reprodução)A piada rolou solta no Twitter até que o jornalista Danilo Saraiva a transpôs para o Facebook e criou o evento ‘Churrascão da Gente Diferenciada‘, a ser realizado em frente ao Shopping Higienópolis, um dos mais luxuosos da cidade. A descrição do evento diz: “Leve farofa, carne de gato, cachorro, papagaio, som portátil, carro tunado e tudo o que sua consciência social permitir. Afinal, a rua é pública e o Higienópolis não está separado por muros”. Até agora, a iniciativa tem a adesão mais de 41 mil pessoas. Resta saber se pelo menos algumas delas realmente comparecerão ao evento, marcado para este sábado (14), às 14h.

Enquanto a reação aos 3,5 mil poderosos de Higienópolis acontecia no mundo virtual, o Metrô entrou em cena para dizer que não era nada daquilo. Apesar de a reportagem inicial da Folha atestar que o Metrô concordou com a mudança depois da reclamação dos moradores, o presidente da Companhia, Sergio Avelleda, afirmou para a Veja SP que a mudança teve razões técnicas para acontecer e que a estação continuará em Higienópolis. Hoje pela manhã a rádio Estadão/ESPN conversou com Avelleda, que repetiu o mesmo argumento. Uma coluna de Paulo Moreira Leite na Época Online também aborda do assunto. Fora da imprensa, o professor do curso de Políticas Públicas da Each-USP José Carlos Vaz também se manifestou a respeito. (Mais uma reportagem a respeito pós-publicação do post: SPTV hoje à tarde. Fiquei surpresa com o tom agressivo das perguntas, por ser um telejornal da Globo)

Voz dissonante

No sentido contrário, Sérgio Malbergier publicou a coluna Ser rico não é pecado na Folha Online defendendo a elite de Higienópolis, e, até, a elite de uma forma geral. Seus argumentos, na minha opinião, são risíveis. Escreve Malbergier: “A pressão da comunidade, sim, “ricos” também formam comunidades com direitos iguais às outras comunidades segundo a Constituição brasileira, pode ter influído na decisão do Metrô de mudar a estação do bairro habitado por eles para perto do estádio do Pacaembu.”

Essa frase só faria sentido se as comunidades que não são ricas – incluo aqui até a classe média mais remediada – tivesse algum poder de influenciar as políticas públicas na cidade. Não têm. Não custa lembrar que a democracia em São Paulo é assimétrica. Uns poucos têm voz, a maioria aceita calada os desígnios de quem tem mais poder. Gostaria que alguém me contasse algum caso em que uma associação de moradores de favelas ou da periferia tenha sido ouvida a ponto de alterar profundamente uma decisão já tomada pelo poder público. Eu não conheço, mas gostaria de conhecer. Ricos têm sim que ter voz. Mas só se todos tiverem. Se não for assim, a cidade estará replicando suas antigas estruturas de poder**.

Política vs. Técnica

O plano de instalar a estação Angélica no local onde hoje funciona o Pão de Açúcar da Av. Angélica havia sido tomada baseada em estudos técnicos. Os moradores têm todo o direito de querer preservar seu mercado. Uma moradora declarou à Folha que preferia que o Mc Donald’s, que fica a alguns metros de distância,  fosse desapropriado. Acho que esse tipo de sugestão todos podemos entender. Mercado vale mais para a vizinhança que lanchonete. Se isso não afetar a viabilidade da obra, não vejo porque não acatar o desejo dos moradores.

Acontece que não foi essa a reclamação dos moradores. Eles não querem apenas preservar seu mercado, mas ficar longe de pessoas pobres. Para isso, a estação não pode ficar perto, de maneira alguma. Só que existe um estudo técnico do Metrô que diz que a demanda ali justifica uma estação. A única maneira de confrontar esse fato é com um novo estudo técnico. Não é a minha opinião, a dos moradores, a do presidente do Metrô, a dos colunistas da Folha que conta, mas sim uma avaliação pragmática de demanda e localização.

Me parece óbvio que não existe um novo estudo técnico, pelas palavras de Sergio Avelleda nas entrevistas citadas acima. A pressão dos moradores fez com que o Metrô tivesse que estudar mais uma vez uma região que já tinha avaliações prontas. O Metrô pode chegar à conclusão que uma estação mais próxima ao Pacaembu atenda à mesma demanda? Pode. Mas terá que mobilizar técnicos e gastar mais tempo e dinheiro para fazer isso. Quem mais na cidade tem um poder político tão grande sobre uma obra pública? De que maneira isso pode ser considerado justo?

** Para entender melhor as estruturas de poder de São Paulo no plano urbanístico recomendo o excelente livro A Cidade e a Lei, de Raquel Rolnik. Ao passear pela história das primeiras leis de regulação do espaço urbano em São Paulo, a autora explicita as relações de poder na cidade, em uma época em que tanto ex-escravos como imigrantes recém-chegados eram ignorados.

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