‘Uma Longa Viagem’ retrata anos de chumbo pelo viés particular

Caio Blat, no documentário que mistura realidade e ficção para narrar a formação de uma visão de mundo (Divulgação) A cineasta carioca Lúcia Murat foi presa política durante boa parte […]

Caio Blat, no documentário que mistura realidade e ficção para narrar a formação de uma visão de mundo (Divulgação)

A cineasta carioca Lúcia Murat foi presa política durante boa parte da década de 1970, quando o Brasil vivia os denominados “anos de chumbo”, em função da ditadura militar e da tortura. Uma maneira de ela enxergar o mundo além das grades era através das cartas e da aventura vivida pelo irmão caçula, Heitor, que vai a Londres em 1969, enviado pela família para não ingressar num grupo de resistência, e de lá ele conhece o mundo e se envolve com as descobertas libertárias da época, proporcionadas também pelas drogas. Ele passa pela Índia, pelos Estados Unidos e até pela longínqua Nova Zelândia. Esse é o tema do ótimo documentário “Uma Longa Viagem”, que chega nessa sexta-feira (11), aos cinemas brasileiros.

Não se trata de um documentário convencional. Muito pelo contrário. Lúcia Murat parte de uma história bastante particular, baseada em cartas e no depoimento do próprio irmão, que é extremamente carismático, para construir um retrato de época riquíssimo e repleto de referências culturais e também religiosas e místicas.

Estão ali desde o romance beatnik “On The Road”, de Jack Kerouac (cuja viagem ao redor dos Estados Unidos Heitor realizou duas vezes) até marcos musicais, como o clássico álbum gravado por Caetano Veloso no exílio londrino e artistas do rock psicodélico, como Janis Joplin, Jefferson Airplane e Jards Macalé, entre outros.  

Sem pudores, a cineasta retrata os contrastes entre sua vida de angústias como presa política e a aparente riqueza da vida errante do irmão. Ou seja, dois mundos que pareciam tão distantes e antagônicos – o hippie e a militante política – se encontram de maneira singular no seio da mesma família, proporcinando uma troca extremamente transformadora. Ao mesmo tempo, há o irmão mais velho, que se torna médico bem-sucedido e constitui família nos moldes tradicionais. É a morte dele, aliás, que dá o impulso necessário para a realização do filme, como é contado no próprio.

Outro aspecto bastante interessante é que Lúcia Murat, além de adotar a posição de narradora, não retorna aos lugares visitados pelo irmão, mas se vale de boa atuação de Caio Blat, que rejuvenesce incrivelmente na tela ao contracenar com imagens projetadas dos lugares na época em que os fatos ocorreram, e também passa a imagem claustrofóbica de quem vive profundamente todas as experiências com sexo, drogas e rock and roll. 

O resultado visual, além de ser incrivelmente plástico, faz com que o espectador consiga se inserir ainda mais na narrativa. Ou seja, prova mais uma vez o poder do audiovisual em, ao se utilizar os recursos certos e de modo criativo, transmitir noções de realidade. Portanto, trata-se muito mais do que um registro de geração, pois trabalha com questões essenciais das relações afetivas e de descobertas do mundo, independente das consequências que elas provocam. “Uma Longa Viagem” foi premiado como melhor documentário pela crítica no Festival de Paulínia e ganhou como melhor filme, ator, direção de arte, júri popular e prêmio estudantil no Festival de Gramado.

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