Veja, a sujeira do rio Tietê, uma capa e um anúncio

Nas páginas 32 e 33, Sabesp e governo paulista anunciam; reportagem favorável vem a seguir (Foto: Reprodução) A capa da edição desta semana da Veja São Paulo traz a chamada […]

Nas páginas 32 e 33, Sabesp e governo paulista anunciam; reportagem favorável vem a seguir (Foto: Reprodução)

A capa da edição desta semana da Veja São Paulo traz a chamada triunfal: “Tietê, não podemos desistir dele”. A promessa é de uma reportagem que percorre 24 quilômetros do rio que corta a capital paulista para fazer um balanço dos R$ 2,9 bilhões investidos nos últimos 20 anos. O drama vai além da sujeira e do mal cheiro do Tietê, envolve pessoas vivendo nas proximidades do canal, em condições insalubres.

Diante de uma campanha publicitária por parte da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) na TV e nas rádios paulistas e da efeméride de duas décadas de “trabalhos” de despoluição, a pauta se sustenta. Nesse meio tempo, houve obras para canalizar o rio com promessa de nunca mais haver enchente, enchente dois anos depois, falta de investimento em desassoreamento, montagem teatral percorrendo as águas poluídas, entre outros fatos.

Capa da edição da Veja sobre o Tietê (Foto: Reprodução)A reportagem é entregue à página 34 da edição número 39 do 44º ano de publicação. Imediatamente após um anúncio em página dupla, nas páginas 32 e 33, assinado pela Sabesp e pelo governo estadual. A publicidade fala do Prêmio Água e Saneamento, do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), ao programa de despoluição do Tietê.

O anúncio chama ainda para o site Planeta Sustentável, mantido – leia-se patrocinado e hospedado – pela editora Abril, que publica a Veja. Vale notar que o portal é bancado ainda pela estatal Sabesp, entre outras empresas (incluindo Petrobras e Caixa Econômica Federal).

Para os paulistanos que circulam pela Marginal do Tietê, a impressão média é de que pouco ou nada mudou em termos de poluição. As capivaras e jacarés que chegaram a ganhar capas de jornal não têm mostrado mais as caras – ou, se apareceram, não comovem mais.

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Embora a reportagem de Sérgio Ruiz Luz e fotos de Mario Rodrigues comece avisando que o rio, visto de perto, é “triste e repugnante”, a edição destaca a “jornada” no título e os “sinais de recuperação” na linha-fina. Em termos visuais, o gráfico “Operação limpeza” vem antes de fotos de um “ribeirinho”, que mora em uma falha nas paredes de concreto da calha do rio e de toda a sujeira encontrada pelo caminho. E tudo termina com imagens da nascente e de trechos antes da cidade onde o nível de poluição não chega a ser um risco.

No texto, o sinal de melhora passa por duas informações. A primeira, de que se nada tivesse sido feito, hoje a situação seria ainda pior. A segunda: a melhora na condição do rio é medida por um avanço de 16 para 20 no Índice de Qualidade das Águas da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb), uma escala que vai até 100. Com essa melhora de quatro pontos após 20 anos e bilhões consumidos – em obras e em publicidade –, o rio não é mais péssimo, é apenas ruim.

Até o fim de 2020, o montante gasto será de R$ 8,1 bilhões. Quer dizer, nos próximos nove anos, há necessidade de se gastar duas vezes mais do que a soma do despendido nas duas últimas décadas para se completar a terceira fase da despoluição e deixar o rio em condição “aceitável”, segundo termos das próprias fontes da reportagem.

Entre as metas que a Sabesp ainda precisa entregar está tratar 93% do esgoto da capital.  Não consta, na matéria, o percentual atual. No estado, é de 75%, segundo relatório da administração referente a 2010, publicado neste ano.

Procurada, a editora Abril informa, por meio de seu setor de publicidade, que a proximidade entre as páginas com anúncio do “interessado” e o conteúdo é apenas “coincidência total”, já que o responsável pela paginação sequer notou o fato. O departamento sustenta que há separação total entre o departamento comercial e editoral – cisão apelidada de “Igreja-Estado”, no jargão jornalístico.

A Sabesp, por meio de sua assessoria de imprensa, sugere que o anúncio não guarda qualquer relação com o conteúdo editorial da publicação.

Colaboraram Raoni Scandiuzzi e Paulo Donizetti

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