Sérgio Nobre: Moderno é negociar

O artigo abaixo foi publicado originalmente no jornal O Estado de S. Paulo por Sérgio Nobre, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em São Paulo, e secretário-geral da CUT […]

O artigo abaixo foi publicado originalmente no jornal O Estado de S. Paulo por Sérgio Nobre, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em São Paulo, e secretário-geral da CUT

O Congresso Nacional receberá nos próximos dias anteprojeto de lei elaborado pelo Sindicato dos Metalúrgicos do ABC que, enfim, vai incluir na pauta nacional a urgência de o Brasil modernizar as relações de trabalho. Já incensado por especialistas como “a proposta mais importante desde a Consolidação das Leis do Trabalho” (CLT), o acordo coletivo especial é um novo instrumento que possibilitará a trabalhadores e empresas resolver, com segurança jurídica, demandas específicas no local de trabalho sem com isso alterar a legislação em vigor nem pôr em risco direitos trabalhistas garantidos pela CLT e pela Constituição federal.

Antes de conquistar o apoio da Casa Civil da Presidência da República, que enviará o anteprojeto ao Legislativo federal, o sindicato peregrinou durante três anos pelo país para apresentar e debater a proposta com sindicalistas, empresários, magistrados, parlamentares, economistas, acadêmicos e especialistas em questões do mundo do trabalho. O resultado foi um texto “arredondado” pela expertise de diferentes atores, que conquistou respeito e apoios independentemente de cores partidárias e ideológicas.

Inspirada em experiências amplamente realizadas fora do Brasil, a proposta tem como força motriz o modelo democrático de relações de trabalho adotado pelos metalúrgicos do ABC há 30 anos e institucionalizado no Comitê Sindical de Empresa, espécie de escritório do sindicato dentro da fábrica, cujos representantes são eleitos democraticamente pela maioria. O anteprojeto fortalece essa forma de representação no local de trabalho porque faz dela requisito indispensável para que trabalhadores e empresas possam celebrar o acordo coletivo especial.

Ao contrário do que têm propalado críticos que nem se deram ao trabalho de ler a sua íntegra, a proposta não altera a CLT. Por desinformação, má-fé ou ambas, esses detratores insistem em bater na tecla da flexibilização para atacar e desqualificar a proposta. Se a conhecessem, saberiam que a adesão ao acordo especial é voluntária, ou seja, as duas partes – trabalhadores e empresa – só aderem se estiverem convencidas de que vale a pena. E desde que preencham requisitos e critérios.

O sindicato tem história e tradição democrática, jamais porá em risco direitos já conquistados pelos trabalhadores. Reconhecemos que a CLT, apesar dos seus 70 anos, ainda tem papel importante num país onde os direitos básicos da classe trabalhadora, como carteira assinada, férias e 13.º salário, não são respeitados e o trabalho análogo ao escravo persiste.

É inegável, contudo, que a mesma CLT não consegue atender às demandas atuais de um país altamente industrializado, em economia globalizada e extremamente competitiva. Em muitos casos essa legislação, criada para um Brasil que não existe mais, chega a ser inaplicável. Exemplo dessa inaplicabilidade é o seu artigo 396, que garante à trabalhadora em fase de amamentação direito a dois descansos de meia hora cada durante a jornada de trabalho para amamentar o filho. Esse direito podia ser exercido na época em que as mulheres trabalhavam perto de sua casa. Hoje, no entanto, a maioria mora longe do local de trabalho, o que torna a lei sem efetividade.

No ABC o Sindicato dos Metalúrgicos, por intermédio dos comitês sindicais, fechou acordos por empresa que garantem às trabalhadoras somar esse tempo de descanso e acrescentar o total à licença-maternidade, prolongando, dessa forma, o seu período. Esse é um exemplo de acordo coletivo especial e adequação da lei que, sem flexibilizar a CLT nem retirar direitos já garantidos, melhorou a vida das metalúrgicas. Pode fazer o mesmo por outras categorias. O problema é que falta segurança jurídica, ou seja, a fiscalização da Justiça do Trabalho pode questionar e anular esse tipo de acordo e multar a empresa.

Além da inaplicabilidade, a CLT tem também inúmeras lacunas: por exemplo, ao não prever a representação sindical no local de trabalho, vem, desde 1943 até os dias de hoje, na contramão da experiência internacional, em que existe cultura de diálogo entre trabalhadores e empresários.

No mundo todo, os problemas que surgem no local de trabalho são resolvidos no próprio local de trabalho por meio de negociação entre sindicato, ou representantes reconhecidos por essa entidade, e empresa. No Brasil, as demandas surgidas no chão da fábrica, na tecelagem, no escritório ou na agência bancária são automaticamente transferidas para fora (Ministério Público, Justiça do Trabalho). Grande contradição num País com 20 mil sindicatos profissionais e patronais, que, sem cultura de diálogo e negociação, alimentam uma superestrutura judiciária criada para atender a demandas trabalhistas que poderiam ser solucionadas no local de trabalho, onde naturalmente elas surgem.

Essa superestrutura – com 1.300 Varas do Trabalho, 24 Tribunais Regionais e um Tribunal Superior, além de 3.600 juízes –, porém, não dá conta dos 3 milhões de novos processos trabalhistas que dão entrada na Justiça, anualmente, no País. O custo também é alto: R$ 11 bilhões por ano e muita espera e prejuízo para o trabalhador.

Se no mundo todo a negociação no local de trabalho funciona, por que não prospera no Brasil? Está comprovado que as categorias que apostaram no diálogo e na negociação têm também melhores práticas trabalhistas, o trabalhador é ouvido e respeitado, a Justiça do Trabalho é pouco acionada e o passivo das empresas, menor.

O Sindicato dos Metalúrgicos do ABC sempre apresentou propostas inovadoras para os problemas do Brasil. O acordo coletivo especial tem o propósito de estimular o diálogo, a negociação direta e prestigiar o acordo como caminho para modernizar as relações de trabalho sem deixar nada a desejar a nenhuma nação do mundo.

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