A Síria, sob risco de intervenção

O emir do Qatar, Hamad bin Khalifa al Thani, está entre os que defendem intervenção militar na Síria (Foto: CC/Ammar Abd Rabbo) Que a Síria está sob uma ditadura, não […]

O emir do Qatar, Hamad bin Khalifa al Thani, está entre os que defendem intervenção militar na Síria (Foto: CC/Ammar Abd Rabbo)

Que a Síria está sob uma ditadura, não há quem de bom senso ou de bom coração duvide. O governo de Bashar al-Assad faz água, enquanto se entrega a uma repressão brutal contra seus opositores – cuja identidade é tão maleável quanto ainda obscura. Mas há medidas preconizadas que não ajudam muito a situação, pelo menos quando se pensa numa ainda longínqua democracia na região e no país.

O presidente Barack Obama pediu a renúncia ou a queda de Bashar al-Assad, como remédio – seja para a situação Síria ou para favorecer sua posição nas próximas eleições, premido pela pressão da extrema-direita entrincheirada no Partido Republicano.

Porém… o fez durante a visita do rei da Jordânia, Abdulla II.

Já o emir do Qatar, Hamad bin Khalifa al Thani, propôs que se enviassem tropas da Liga Árabe para a Síria, a fim de por fim às lutas naquele país. Nenhum deles – emir ou rei – é um democrata exemplar. O próprio emir chegou ao poder através de um golpe – é verdade que incruento – contra seu pai, que estava na Suíça.

A proposta do emir do Qatar provocou um pequeno incêndio. Ainda bem que, de momento, apenas retórico. O presidente da Tunísia, recém eleito depois do fim de uma ditadura de dezenas de anos em seu país, disse que a proposta atearia fogo em toda a região.

O Irã disse que, no caso de uma intervenção dessa natureza, interviria em favor de al-Assad. A Rússia sinalizou que não gostou da proposta. Entre outros efeitos, a intervenção provocaria reações do Hezbollah no vizinho Líbano, mobilizaria a Turquia, que pressiona Damasco por uma solução, ainda que por outros métodos e de outra natureza, e certamente atiçaria os falcões de Israel. Em suma, um desastre, com conseqüências imprevisíveis para o (des)equilíbrio da política mundial e a (falta de) saúde da economia internacional.

Esses desenvolvimentos mostram como ainda está longe a possibilidade de uma nova estabilidade para o mundo árabe. As revoltas populares mostraram a inviabilidade de a situação continuar como está. Mas ainda não se vislumbra a emergência de novas forças organizadas que capitalizem, de modo inovador, esse descontentamento.

No Egito, que passa por um processo eleitoral, a Irmandade Islâmica deve ficar com o maior peso parlamentar: 46% das cadeiras. Pode ser que ela se atualize, fazendo diminuir o peso de antigas propostas de caráter religioso e avançando em direção a uma secularização política. De todo modo, isso será difícil e tortuoso.

No lado das monarquias sunitas, os emirados, os sheiks e outros potentados árabes, a situação continua, grosso modo, inabalável. Talvez os Estados Unidos obtenham algumas concessões no sentido de se implementarem algumas reformas “liberalizantes”, ainda sem se saber em que extensão, porque estarão atadas ao princípio de não abalar os alicerces das estruturas vigentes.

Enquanto perdurar essa situação de protestos populares ainda impotentes contra dirigentes que se aferram desesperadamente às suas estruturas de poder, permanecerá o risco de alguma dessas propostas intempestivas, como a do emir do Qatar, ser levada a sério, e desencadear um conflito semelhante ao da Primeira Guerra Mundial. Só que agora com armamentos mais poderosos e alcance ainda maior.