Denúncia

Extração de diamantes e privatização deixam pessoas sem água no Zimbábue

Avanço da mineração, que expulsa populações de seus territórios, e o controle privado das fontes obrigam mulheres a caminhar mais de 20 quilômetros para encher seus baldes

Tsvangirayi Mukwazhi/UNICEF

Em 2008, o Zimbábue enfrentou a pior crise hídrica da história. Alegando falta de recursos, o governo deixou de tratar a água que causou cólera e tifo, matando mais de 2 mil pessoas

Brasília – Mulheres que têm de caminhar 20 quilômetros em busca de água para suas famílias são uma cena comum em regiões do Zimbábue, no sul da África. E não é devido à seca, ou por questões climáticas, mas por causa do avanço da mineração de diamantes, que expulsa famílias tradicionais de seus territórios.

A denúncia foi feita pelo ativista dos direitos humanos daquele país, Farai Maguwu, em palestra neste domingo, na Universidade de Brasília, durante atividade do Fórum Alternativo Mundial da Água – Fama 2018, que vai até dia 22. O evento é realizado pelos movimentos sociais em contraponto ao 8º Fórum Mundial da Água (World Water 8), também realizado em Brasília, organizado por entidades empresariais e representantes de governos de diversos países.

Diretor da organização CNRG (Centro de Governança dos Recursos Naturais) do Zimbábue, Maguwu atua em questões ambientais, mineração artesanal e gênero, entre outras. Segundo ele, desde que foram descobertas jazidas de diamantes em Marange, no sudeste do país, em 2006, o comércio ilegal das pedras preciosas tem ocupado investidores. As minas são as maiores descobertas em todo o mundo nos últimos 100 anos e atraem garimpeiros, especialmente jovens, já que o desemprego é grande no país.

As áreas de mineração são um grande obstáculo ao direito humano à água. Ele mencionou o caso de uma mulher expulsa de sua terra por causa da exploração de diamantes. “A companhia de mineração prometeu a ela água encanada e energia solar na área para a qual estava sendo removida. A promessa, como de campanha eleitoral, não se confirmou. A única água a que teve acesso foi a de uma mina minúscula, da qual brotava pouca água, que enchia lentamente um prato, que ela transferia para um balde, o que levava 40 minutos para encher. E a Constituição diz que a água é direito humano”.

Cáritas Brasileira
Em participação em evento promovido pela Cáritas no Fama 2018, o ativista Farai Maguwu fala sobre as dificuldades em seu país

Garimpo

A atividade compromete também a segurança do país. As áreas de garimpo são protegidas e militares fazem a guarda. Sem cerimônia, disparam contra as pessoas, “matando 400 em poucos meses”, segundo Farai Maguwu. Há também casos de estupro de mulheres, sob as armas de militares. “Isto é a mineração no Zimbábue. Uma guerra contra o povo, com a área se desertificando, com mulheres tendo de caminhar 20 quilômetros atrás de água.”

Em 2008, quando o país viveu a pior crise hídrica da história, mais de 2 mil pessoas morreram de cólera e tifo causadas pelo consumo de água sem tratamento. Uma época difícil, lembra ele, quando depois de muita dificuldade conseguiram informar autoridades externas, já que o governo negava a existência da crise humanitária. A Organização das Nações Unidas montou clínicas móveis para tratar doentes.

“O governo dizia que não tinha dinheiro para cuidar da água. E os ricos e políticos passaram a extrair água e a vender caro. Fizeram milhões de dólares vendendo água quando não havia nenhum esforço para purificar a água para toda a população. Afinal, nesse caso, o negócio acabaria”, protesta o diretor na CNRG.

No oeste do país, mais de 2 milhões de pessoas são forçadas a tomar água contaminada. “O ministro da Saúde chegou a soltar aviso de que a agua subterrânea está contaminada e nada faz. Diz apenas: esta água está envenenada.”

O ativista disse ainda que 38 anos de regime ditatorial no país foram suficientes para fazer o povo acreditar que não tem direito humano algum. Outro esforço de sua entidade é promover ações educativas na área de direitos.

“Estamos agora estabelecendo contatos com movimentos da América Latina. Precisamos construir mais solidariedade porque problemas que ocorrem aqui, como grilagem de terras, são iguais aos que experimentamos lá. A maior parte dos nossos governantes na África não está do lado do povo, mas são os guardas do capital externo”, observa. “Estão prontos para matar seu povo para defender os interesses dos donos do capital.”

  

 

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