Riscos

Projeto quer anular aprovação da cana de açúcar transgênica

Para o autor, deputado Nilto Tatto (PT), a liberação desrespeita o consumidor e o meio ambiente e aponta para a falta de estudos suficientes e de ética nas relações entre a CTNBio e o setor canavieiro

Reprodução/Youtube

Cana convencional já impacta o meio ambiente. Transgênicas, então, tendem a ser ainda mais prejudiciais

São Paulo – Tramita na Câmara dos Deputados um projeto que anula a sessão de 8 de junho na qual a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) que aprovou a liberação comercial da cana de açúcar transgênica. Trata-se do Projeto de Decreto Legislativo de Sustação de Atos Normativos do Poder Executivo (PDC) 715, de 13 de julho.

De autoria do presidente da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara (CMADS), o deputado federal Nilto Tatto (PT-SP), a proposta leva em consideração o desrespeito aos direitos do consumidor, à preservação do meio ambiente e da saúde coletiva e à conduta ética nas relações entre o atual presidente da CTNBio, o professor da Faculdade de Ciências Agronômicas da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Botucatu, Edivado Domingues Velini, e o Centro de Tecnologia Canavieira (CTC), que desenvolveu a cana geneticamente modificada, além de outras empresas interessadas na liberação dessas biotecnologias. 

Entre as referências do projeto de Tatto está a reportagem publicada pela RBA em 21 de junho passado, que mostrou fortes indícios de conflitos de interesses entre Velini e o setor canavieiro. A cana transgênica foi liberada pouco mais de um mês após a Câmara de Meio Ambiente do Ministério Público Federal (MPF) ter enviado ofício ao órgão com recomendações para mais transparência e zelo quanto as questões envolvendo conflitos de interesses no âmbito da Comissão.

Nesta quarta-feira (9), a Revista do Brasil publicou reportagem em que destaca o aumento de casos de câncer e de malformações associado ao maior uso de agrotóxicos nas lavouras de soja modificadas geneticamente para resistir a herbicidas. E embora a cana aprovada em junho seja resistente a insetos, o CTC anunciou recentemente aos seus acionistas os planos de novas variedades transgênicas resistentes a herbicidas – sobre os quais é possível fazer estimativas. Até porque, segundo as fontes ouvidas, os canaviais, mesmo convencionais, já utilizam muito agrotóxico e fazem muitas vítimas.

Exorbitância

Conforme o deputado Nilto Tatto, o decreto legislativo é uma prerrogativa do Poder Legislativo para anular ou ratificar portaria, decreto, medida provisória ou qualquer outra deliberação de órgão vinculado ao Executivo que exorbite do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa.

No caso, a exorbitância parte da aprovação da cana de açúcar transgênica pela CTNBio, órgão auxiliar do Executivo – Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) – para questões relacionadas a organismos geneticamente modificados.

“Entre os vários aspectos envolvidos na liberação estão a rapidez na tramitação do processo de aprovação, o que nos leva a crer que não houve tempo suficiente para serem tomadas todas as providências necessárias em termos de avaliação de pesquisas e testes”, disse Tatto. “Além disso, há o fato de a cana de açúcar ser usada também na produção de açúcar, fortemente presente na indústria de alimentos, o que envolve direito do consumidor. E há ainda a questão ambiental, inerente aos transgênicos”.

Renca

A tramitação do projeto de decreto legislativo passa pela análise de deputados integrantes das comissões de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI), de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural (CAPADR) – esta dominada por ruralistas – e de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC).

Apesar da configuração conservadora do Congresso, que torna mais difícil a aprovação da matéria, Tatto acredita que é possível trazer o tema, de grande importância para a sociedade, para o centro do debate.

“Quanto mais o assunto for discutido e ganhar repercussão, mais a sociedade vai entender as ameaças e riscos envolvidos. E vai passar a pressionar o governo, que já recuou diante de temas que também pareciam definidos, como é o caso da abertura da área de mineração na Amazônia, a Renca”, destacou o parlamentar.