Protagonismo

‘Agroecologia deu voz ao nosso saber’, diz Dona Dijé

A luta pela preservação da floresta e das palmeiras, vinda dos antepassados, inspira mulheres como ela e suas famílias na resistência contra ataques aos direitos. “Nós existimos; nós estamos aqui”

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Dona Dijé é uma das fundadoras do Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu

Brasília – Lutar pela preservação da mata, dos igarapés, rios e pelo acesso a tudo isso tem sido uma constante entre as populações que vivem do extrativismo do coco babaçu no Maranhão, Pará, Piauí e Tocantins. Em 1976, chegou ao ápice uma disputa por terras ocupadas por ex-escravos na região do Médio Mearim, no Maranhão, desde 1907.

Com o declínio da exportação do óleo de babaçu para os Estados Unidos, os babaçuais da região foram substituídos por pastos e os ocupantes das terras começaram a ser expulsos. Houve tensão, com casas incendiadas pela polícia. Apesar de muita gente ter sido forçada a deixar as terras, passando a morar nas periferias das cidades, outras ficaram.

Mas também houve resistência às cercas erguidas pelos pecuaristas em torno dos pastos, que avançaram sobre áreas de palmeiras. Além disso, extensas plantações de eucalipto tomaram o lugar de florestas de babaçu. Sem acesso à coleta do coco, dona Maria de Jesus Ferreira Bringelo, a Dona Dijé, e outras quebradeiras de coco se uniram para criar, em 1995, o Movimento Interestadual de Quebradeiras de Coco Babaçu.

Seis anos antes, ela já havia ajudado a fundar a Associação em Área de Assentamento no Estado do Maranhão (Assema). Entre os desafios desses movimentos, a luta pela preservação ambiental e pelo acesso à terra de seus ancestrais.

“Há muitos anos a gente já fazia a agroecologia. Só que não tinha ainda esse nome. Mas aí a gente vai descobrindo que isso veio do nosso povo, que já fazia a agroecologia. Preservação da vida, da terra, preservação da água. A agroecologia deu voz ao nosso conhecimento de povo tradicional”, disse dona Dijé, que participa de atividade do Agroecologia 2017, que compreende o 6º Congresso Latino-americano de Agroecologia, o 10º Congresso Brasileiro de Agroecologia e o 5º Seminário de Agroecologia do Distrito Federal e Entorno.

Dona Dijé é integrante do Conselho Nacional dos Povos e Comunidades Tradicionais (CNPCT). A publicação do colegiado foi uma das últimas ações da presidenta deposta Dilma Rousseff antes de ser afastada definitivamente do cargo.

A criação do conselho, em processo de esvaziamento, assim como os demais espaços de participação popular para a formulação de políticas públicas, foi duramente criticada em editorial do jornal O Estado de S.Paulo, que por sua vez foi repudiado por organizações e movimentos.

“O conselho é importante para fazer a discussão das políticas para os povos tradicionais. A gente passou a ver, a conhecer, a ter seu conhecimento tradicional reconhecido, seja o povo da Bahia, do Rio Grande do Sul, seja o pescador, o pantaneiro, cada um tem seu conhecimento. Esse conselho mostrou que nós existimos. Tivemos avanços. Tivemos acesso à política pública”, disse.

De acordo com ela, houve na história recente avanços que permitiram mais qualificação do trabalho das quebradeiras. “Com o nosso conhecimento nós conseguimos produzir para estar nos mercados, para  estar nas feiras, sempre produzindo. E podemos dizer: ‘a gente não sabe só quebrar coco. A gente também sabe processar, fazer produtos de qualidade.”

Na concepção das comunidades extrativistas, ter saúde é ter acesso à terra para poder trabalhar com dignidade. “A gente quer produzir para viver de nossos salários, para nossa alimentação e nosso dia a dia.”

Dona Dijé, que tem história de resistência, diz que os ataques aos direitos dos povos tradicionais, entre eles indígenas e quilombolas, e o acirramento dos conflitos agrários, vão encontrar forte resistência. “A cada dia nossos direitos estão sendo diminuídos, cortados. Mas nós vamos continuar lutando e dizendo: ‘nós estamos aqui’”, afirma. “Nós estamos na luta para a terra ser melhor. Nós vivemos hoje o legado do sangue dos nossos antepassados. Nossos mártires hoje, quilombolas, indígenas, que estão sendo assassinados porque estão lutando pelo direito à vida.”

As quebradeiras, que já mostraram ser firmes lutadoras, entendem que a garantia do acesso aos babaçuais, bem como da preservação dessas palmeiras, depende de lei. Diversas propostas já tramitaram no Congresso, mas foram vencidas por pressões dos ruralistas, cujo argumento é o de que esses projetos de lei violam o direito de propriedade privada.

De acordo com o Mapa da Região Ecológica dos Babaçuais dos estados do Piauí, Tocantins, Maranhão e Pará, existem hoje mais de 25 milhões de hectares de babaçuais, com diferentes densidades. O babaçu é fonte de renda para mais de 300 mil mulheres.

Segundo dados da Universidade Federal do Piauí (UFPI), a expansão de áreas de soja e eucalipto na região vem impedindo o acesso aos babaçuais, além de promover o desmatamento, queimadas e envenenamento das palmeiras.