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Ativistas alertam: MP 759 vai privatizar terras públicas e acabar com reforma agrária

Para especialistas ouvidos pela TVT, a medida representará um aumento do assédio de grandes fazendeiros sobre os pequenos assentamentos e agricultores

EBC

Titulação de assentamentos, previsto na MP do governo Temer, vai promover a reconcentração de terras

São Paulo – Prestes a ser votada na Câmara dos Deputados, a Medida Provisória (MP) 759/2016, que estabelece novas diretrizes legais sobre a regularização de terras urbanas e rurais no país é considerada, pelos movimentos sociais, o fim da reforma agrária e a privatização de terras públicas.

Além de alterar dezenas de leis brasileiras, a MP muda as regras do Programa Nacional de Reforma Agrária. Para especialistas e ativistas, a medida representará um aumento do assédio de grandes fazendeiros e empresas do setor agroindustrial sobre pequenos assentamentos e agricultores, beneficiados pelo programa nos últimos 30 anos.

Em entrevista à TVT, a coordenadora do Centro de Estudos Rurais da Unicamp, Mariana Chaguri, explica que ao promover a emancipação em massa dos assentados, tornando as terras disponíveis para negociação, a MP prioriza os latifundiários. “Você é titular de um pequeno lote de terra e agora você tem liberdade para arrenda-lo para a grande monocultura. O principal efeito é tornar todas as terras disponíveis para o agronegócio, estrangulando o alcance da ação coletiva dos movimentos sociais no campo, na organização de cooperativas de produção de alimentos, ou seja, tudo que vai contra a lógica da grande produção”, afirma.

Mariana aponta que outro fator que beneficia as grandes empresas é a municipalização das ações de reforma agrária. Segundo a MP, os critérios de seleção das famílias passarão a ser chamadas por meio de edital de convocação no município onde o projeto de assentamento será localizado.

“Evidentemente, as grandes empresas são importantes nos pequenos municípios, então elas passarão a jogar um papel central no modo de como a terra será redistribuída naquela cidade”, alerta.

De acordo com o coordenador do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) Gilmar Mauro, essa municipalização tem como objetivo destruir os movimentos sociais, já que o governo não vai precisar negociar com os coletivos, mas com indivíduos isolados. “Quando houver desapropriação de uma terra num determinado município será feita uma chamada pública de todos os interessados naquela área, na qual haverá uma pontuação por família e os melhores pontuados serão assentados. Isso é para tirar o movimento social.”

Mariana alerta que a municipalização também destrói o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), que vira “um balcão de negócios”. “Todo o planejamento da reforma agrária e assentamentos passa para uma secretaria especial da Casa Civil, sendo tirada do Incra, que vira um órgão de negociação de terras. As terras podem ser compradas com dinheiro, não mais só com títulos da dívida agrária.”

Outra mudança fundamental na MP, segundo a coordenadora do Centro de Estudos Rurais, é o avanço nas terras da Amazônia legal. “Era algo que também parecia protegida contra os avanços da comercialização. As terras disponíveis, no Brasil, também são terras de índios e de proteção ambiental, que entram de novo no mapa da compra e venda.”

A MP 759 já conta com 802 emendas. Para Gerson Teixeira, presidente da Associação Brasileira da Reforma Agrária, o governo Temer quer “se livrar dos assentamentos e das terras da União”. Ele alerta que não haverá distribuição de terra, mas reconcentração. “A medida traduz uma ambição da bancada ruralista de apropriar dos 88 milhões de hectares do programa de reforma agrária”, conta.

Em nota técnica enviado ao Congresso Nacional, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), do Ministério Público Federal (MPF) defende que a MP 759 é inconstitucional por não ter “elementos que evidenciem urgência para sua edição”, preceito básico para uma Medida Provisória.

“Causa enorme espanto a adoção de medida legislativa extraordinária pelo Presidente da República para modificar mais de uma dezena de leis ordinárias aprovadas pelo Congresso Nacional, algumas das quais são fruto de processos legislativos que envolveram grande participação popular, o que representa grave distorção do sistema democrático”, diz o texto da PFDC.

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