Com texto de última hora, Código Florestal passa pela votação final

Relator apresenta projeto horas antes de ir ao plenário da Câmara, repetindo trajetória adotada pela bancada ruralista em 2011, quando impôs ao governo Dilma a principal derrota

Ecossistema da floresta amazônica pode ficar mais vulnerável a partir de novo Código Florestal (Foto: ©BrunoZanardo/Fotoarena)

São Paulo – Sem o aval das entidades mais representativas da ciência nacional e dos movimentos da sociedade civil que acompanham o tema, a Câmara coloca em votação entre hoje (6) e amanhã (7) o Projeto de Lei (PL) 1.876, de 1999, que promove alterações no Código Florestal, dando contornos finais, no Legislativo, a uma das matérias mais polêmicas dos últimos anos.

A votação repete o trâmite de 2011, quando a bancada de representantes do agronegócio impôs ao governo Dilma Rousseff a principal derrota até aqui no Legislativo. Na noite de ontem (5), o texto do deputado Paulo Piau (PMDB-MG) seguia desconhecido de seus pares e do Palácio do Planalto. No ano passado, Aldo Rebelo (PCdoB-SP), hoje ministro do Esporte, fez alterações de última hora e incluiu alterações negociadas com os ruralistas sem o aval do Executivo.

O principal receio das entidades ligadas à preservação do meio ambiente é de que Piau acrescente ao relatório a chamada Emenda 164. “Isso entrará em discussão e vamos ver a possibilidade de retornar”, afirmou o parlamentar mineiro na última semana. No ano passado, a emenda foi apresentada pelo PMDB já em plenário, em desafio ao Planalto, para garantir que atividades agrícolas desenvolvidas em áreas de preservação possam continuar existindo. 

Na tarde de ontem (5), Piau conversava com integrantes da área de avaliação técnica dos projetos para saber se havia possibilidade no regimento da Casa de incluir novamente este dispositivo. Em tese, como o texto retorna à Câmara após passagem pelo Senado, as mudanças possíveis são menores, não podem atingir certos itens, e boa parte do projeto deve seguir como está.

Em linhas gerais, o Planalto trabalha com a expectativa de manutenção do texto aprovado no ano passado entre os senadores, como manifestou a presidenta Dilma Rousseff durante encontro com representantes de movimentos sociais durante o Fórum Social Temático, em janeiro, em Porto Alegre. Cientes de que o texto sairá do Congresso com problemas, entidades que atuam no setor já se preparam para cobrar da presidenta o veto a pontos considerados ruins.

A organização não governamental SOS Mata Atlântica emitiu nota lembrando que desde 29 de novembro uma série de organizações espera uma manifestação de Dilma sobre um abaixo-assinado com 1,5 milhão de assinaturas pedindo veto às mudanças no Código Florestal.

A entidade considera problemática a possibilidade de anistiar todos os desmatamentos feitos em propriedades de até quatro módulos fiscais. Módulo fiscal é uma medida que varia de estado para estado, indo de cinco a cem hectares, ou seja, a medida que serviria para beneficiar o pequeno agricultor acaba por ajudar o latifundiário. 

Mário Mantovani, diretor da ONG, considera que o governo cedeu à bancada ruralista e usou questões ambientais para trocas por apoio de parlamentares. “E, agora, corremos um sério risco de ver a aprovação de uma legislação ambiental que condena a Mata Atlântica e os manguezais do Brasil”, diz, no comunicado divulgado pela organização.

Na última semana, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Academia Brasileira de Ciências (ABC) entregaram carta a Paulo Piau sugerindo mudanças no texto. Anteriormente, as duas principais entidades representativas da comunidade científica haviam indicado que o correto seria debater o tema durante pelo menos mais dois anos para se chegar a um texto bom para a sociedade. Na última semana, em tom de resignação, indicaram que a essa altura trabalhavam para minimizar os danos provocados pela mudança ao ambiente e à própria produção rural. 

“A proteção de áreas naturais está sendo consideravelmente diminuída e perde-se assim a oportunidade de produzir alimentos com mais eficiência e com sustentabilidade ambiental, o que deveria ser o grande diferencial da agricultura brasileira”, indica o documento, que traz uma tabela comparativa sobre as alterações consideradas mais preocupantes.

Outra das questões levantadas trata da restauração da vegetação às margens de rios, que, pelo texto da Câmara, cairia de 30 metros para 15 metros, além de se levar em conta o nível médio do rio, e não o nível mais alto, atingido na época de cheia, como prevê a legislação em vigor. Outro alvo de críticas é a possibilidade de que todas as propriedades tenham direito à redução do controle legal sobre “áreas de pousio”, que são as terras que permanecem em descanso para recuperação do solo. Pelo novo texto, não apenas as propriedade pequenas e de uso familiar estariam dispensadas deste controle, estendido a todos os tipos de áreas rurais.

 

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