Movimento socioambiental brasileiro reclama maior participação na Rio+20

Rio de Janeiro – À medida que se aproxima o fim do prazo estabelecido para que os países enviem suas emendas ao documento-base da Rio+20, mais nítido se torna o […]

Rio de Janeiro – À medida que se aproxima o fim do prazo estabelecido para que os países enviem suas emendas ao documento-base da Rio+20, mais nítido se torna o desconforto que as organizações do movimento socioambiental brasileiro começam a sentir em relação à postura adotada pelo governo nessa fase que antecede a realização do evento. Prevista para começar no dia 20 de junho, a Conferência da ONU sobre Desenvolvimento Sustentável terá o desafio de colocar as negociações governamentais internacionais novamente sobre os trilhos de uma agenda ambiental comum, assim como foi feito em 1992, também no Rio de Janeiro.

A poucos dias da data limite (27 de fevereiro) para a conclusão do Rascunho Zero (ou Zero Draft, como o documento-base foi batizado em inglês), e ainda com o feriado prolongado de Carnaval pela frente, os ambientalistas esperam com ceticismo que o governo efetive as contribuições oriundas da sociedade civil. “A participação da sociedade civil na Rio+20 é uma questão delicada, que pede urgentes atitudes do governo brasileiro. Ainda há uma grande distância entre a importância declarada pelo Itamaraty, no Brasil e no âmbito internacional, e as sérias indefinições que persistem no mundo real das atividades preparatórias da conferência”, afirma em seu mais recente boletim o Instituto Vitae Civilis, organização que faz parte da coordenação do Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais pelo Meio Ambiente (FBOMS).

Uma oportunidade de afinar os ponteiros aconteceu na quarta-feira (8), durante reunião da Comissão Nacional para a Rio+20 que contou com as presenças dos ministros Antônio Patriota (Relações Exteriores) e Izabella Teixeira (Meio Ambiente). Apesar de a Comissão – composta por representantes de diversos setores da sociedade – ter decidido pedir à ONU um maior detalhamento dos objetivos de desenvolvimento sustentável contidos no Rascunho Zero, a inclusão das propostas das organizações do movimento socioambiental, segundo as próprias, continua aquém do desejado.

“O Rascunho Zero apresentado é um documento que não tem a menor vinculação com o debate que é feito há mais de 30 anos. A Rio-92 coroou o processo de debates que definiu um marco jurídico internacional e, desde então, teve um impacto profundo em nossas constituições e marcos regulatórios, seja no âmbito regional, nacional ou internacional. O documento desconsidera tudo isso e parte de uma referência – as Metas do Milênio, que já foram uma redução enorme de todo esse debate construído ao longo dos anos. Esse exercício da ONU, do jeito que ele está colocado para o Rascunho Zero, é um tiro no pé para todo mundo, inclusive para os países ricos”, avalia Iara Pietricovsky, que é integrante do Comitê Facilitador da Sociedade Civil Brasileira para a Rio+20.

Iara revela a preocupação em não deixar que a Rio+20 se transforme em apenas mais um palco para retóricas ambientais sem maiores conseqüências por parte dos governos: “A Rio-92, que teve um grande impacto naquele momento, produziu a Agenda 21 e as convenções de Biodiversidade e de Mudanças Climáticas. Dez anos depois, na Rio+10 em Johanesburgo, se buscou, dentro da enorme dificuldade de acordos que existia na época, dar alguma concretude, foi proposto um plano de ação. Ou seja, nós não precisamos mais inventar a roda, pois existem acordos, existem tratados firmados. As coisas agora precisam ser implementadas através de políticas públicas, de situações bastante concretas em termos de orçamento, de formas de arrecadação, da redistribuição dos tributos, porque é isso que vai gerar novas formas de inclusão e assegurar que o que foi acordado nesses vinte anos seja realizado”.

Diálogos?

Paralelamente à Rio+20, a sociedade civil organizará a Cúpula dos Povos e espera influenciar na elaboração das diretrizes, metas e propostas assumidas pelos governantes, assim como ocorreu há 20 anos. A maneira como se dará a interface com o evento oficial, no entanto, também é alvo de incertezas. A principal razão é que a Rio+20 tem em sua programação um espaço denominado Diálogos com a Sociedade Civil, previsto para acontecer entre 16 e 19 de junho, e existe o temor de que ocorra uma dispersão das forças sociais ou até mesmo um esvaziamento da Cúpula dos Povos.

“Claramente, há urgência em se colocar em marcha tanto o processo de organização dos Diálogos com a Sociedade Civil quanto seus debates preparatórios. Se é fato que o Itamaraty quer ter a sociedade civil como co-autora desses debates, é essencial que desde já haja nesse grupo a presença de interlocutores representativos da sociedade civil brasileira e internacional. O Itamaraty está ciente disso, mas não está claro que medidas tomará concretamente”, diz o boletim do Instituto Vitae Civilis. O documento afirma também que “existe ceticismo” na maior parte do movimento socioambiental em relação “a uma possível competição e mesmo tentativa de esvaziamento da Cúpula dos Povos”.

Iara Pietricovsky afirma que os Diálogos com a Sociedade Civil são “um espaço que está sendo muito mal conduzido” pela organização da Rio+20: “O governo está dizendo que quer usar os diálogos para fazer uma espécie de contra-documento que vai influenciar a cúpula oficial. O fato, na vida real da política, é que as decisões já estarão tomadas na última reunião preparatória que acontecerá dias antes da Rio+20. Então, isso vai influenciar o quê? Desse ponto de vista, é uma bobagem. Se querem diálogo com a sociedade civil, então eles têm de ouvir a sociedade civil e saber a visão que ela tem de fato sobre esse processo. Mas, esse diálogo tem de ser construído bem antes. Se querem fazer uma coisa franca e honesta, então sentem com a gente para organizar”.

A ambientalista também reconhece a preocupação com uma possível duplicidade em relação à Cúpula dos Povos: “Nesse momento, existe de fato uma espécie de competição. Daí, inclusive, a gente ter montado nosso processo da Cúpula dos Povos um pouco antes. Agora, evidentemente que em algum momento os dois processos irão se misturar, pois as atividades da Cúpula dos Povos se estenderão de 15 a 23 de junho”, diz.

Estrutura

A estrutura organizacional dos Diálogos com a Sociedade Civil foi apresentada pelo embaixador brasileiro André Lago em Nova York, no dia 27 de janeiro. Segundo o diplomata, a expectativa é reunir 2 mil representantes da sociedade civil nos oito debates que serão realizados em quatro dias. O objetivo é que a palavra seja franqueada prioritariamente aos representantes da sociedade civil, sem obedecer ao protocolo diplomático que norteará a Rio+20. De cada debate, de acordo com o Itamaraty, deverão sair duas ou três propostas a serem encaminhadas aos governos durante a conferência, e a ideia é que os debates com os representantes da sociedade civil comecem “pelo menos dois meses antes” da Rio+20.

Apesar dos rumores que falam em esvaziamento do próprio evento oficial, o governo brasileiro continua apostando no sucesso da Rio+20. A ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, afirmou que o Brasil e a ONU pretendem contar com uma presença de chefes de Estado “comparável à da Cúpula da Terra” realizada em 1992. Naquela ocasião, mais de cem líderes mundiais estiveram no Rio de Janeiro: “É importante que os chefes de Estado estejam presentes, e eles estarão. É importante também que estejam presentes a sociedade civil e o setor privado, pois assim teremos um compromisso completo”.

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