MP 458: fiscalização e transparência são próximos passos

Para grupo de procuradores, medida tem várias inconstitucionalidades; Ambientalista e Contag pedem participação da sociedade na fiscalização

Foto tirada pelo Ministério do Meio Ambiente em maio mostra desmatamento em Rondônia (Foto: Jefferson Rudy. MMA)

O grande desafio do governo é evitar injustiça no processo de regularização fundiária desencadeado após a sanção da Medida Provisória 458 pelo presidente Lula. O texto, transformado em lei pelo Congresso, acelera o trabalho para regularizar as terras dos pequenos produtores da Amazônia Legal, mas abre preocupação quanto à possibilidade de premiar grileiros.

A Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) pensa que o presidente Lula teve sensibilidade ao vetar o 7º artigo, que previa que empresas ou pessoas que usam terceiros para ocupar a área pudessem regularizar a situação. Ao mesmo tempo, a entidade considera negativo que a lei publicada nesta sexta-feira (26) no Diário Oficial da União tenha mantido a previsão de autodeclaração para a titulação de terras, dispensando a necessidade de vistoria para unidades de até 400 hectares.

Para o Grupo de Trabalho de Bens Públicos e Desapropriação do Ministério Público Federal, essa é uma das inconstitucionalidades da MP 458. Em texto publicado esta semana, procuradores federais afirmam que a medida pode resultar em remoção de populações quilombolas, indígenas e ribeirinhas e alarga a possibilidade de utilização de “laranjas” para a regularização de terras.

Raul do Valle, coordenador adjunto de Política e Direito do Instituto Sócio Ambiental (ISA), destaca que a chave daqui em diante é a garantia pelo governo de transparência ao processo de regularização fundiária. “A gente precisa saber se vai acontecer aquilo que nós tememos, que é dar terra para o grileiro, que agora pode desfrutar da lei para aumentar a concentração fundiária. Se o governo conseguir criar um sistema de dados e de inclusão da sociedade neste controle, os riscos serão bastante diminuídos”, afirma.

Na última semana, o governo lançou dois sites para o acompanhamento do processo.
O presidente da Contag, Alberto Broch, vai na mesma linha, defendendo que seja garantida forte participação social no processo de demarcação. “Precisamos criar comitês gestores do processo em que os sindicatos de trabalhadores rurais participem da fiscalização”, sustenta.

A ideia inicial do Poder Executivo era beneficiar com a regularização os donos de terras de até 400 hectares, algo que nos cálculos da senadora Marina Silva passaria ao controle privado 7,8 milhões de hectares, com um patrimônio estimado em R$ 8 bilhões. Mas alterações promovidas na Câmara e chanceladas pelo Senado incluíram propriedades entre 400 e 1.500 hectares, o que para os ambientalistas favorece grileiros da região amazônica – esse aspecto foi mantido. Nas contas do governo, com a exclusão das empresas serão regularizados 67 milhões de hectares.

A Contag e várias organizações ambientais defendiam que o assunto fosse discutido amplamente com a sociedade antes de ir a votação, o que seria possível mediante a apresentação de projeto de lei. Mas o encaminhamento na forma de medida provisória deu aos ruralistas a possibilidade de promover alterações sem que houvesse tempo para a realização de audiências públicas.

Outro pedido que não foi atendido nem no Executivo nem no Legislativo foi de o projeto beneficiar apenas as áreas em que já foi realizado o Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE). Agora, é possível que terras sejam regularizadas, mas que o governo tenha que readquiri-las mais tarde, quando for realizado o ZEE, que pode definir pela formação de áreas de proteção ambiental, por exemplo. Para os procuradores, “a alienação de terras em si é contraditória, já que são recorrentes as ações de desapropriação para fins de reforma agrária. Futuramente, o governo precisará pagar por essas áreas caso queira reavê-las”.

Um ponto contraditório, na visão do Instituto Socioambiental, é a possibilidade de que as áreas entre 400 e 1.500 hectares sejam vendidas após três anos. Para Raul do Valle, quem repassa a área depois de tão pouco tempo, obviamente, não está interessado em produzir na Amazônia. O Grupo de Trabalho de Bens Públicos e Desapropriação do Ministério Público destaca que, de acordo com “o artigo 189 da Constituição, o prazo mínimo é de 10 anos, para evitar que a ocupação do imóvel rural seja mero objeto de especulação. O objetivo constitucional é que a terra sirva como meio de produção e promova o avanço social”.

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