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Dados do orçamento desmontam justificativa da gestão Doria para cortes na cultura

Vereador demonstra que corte é mais profundo em fomentos e ações cidadãs, além de ser maior do que o divulgado. Bibliotecário denuncia ideologização e 'higienismo' no acervo e equipamentos

André Bueno/CMSP

Artistas e trabalhadores da cultura protestaram contra os cortes e pediram a saída de Sturm da secretaria

São Paulo – Em audiência pública na Câmara Municipal, na tarde de hoje (5), dois auxiliares do prefeito da capital paulista, João Doria (PSDB), tiveram trabalho para sustentar a necessidade dos cortes no orçamento da Secretaria da Cultura, frente a um auditório lotado de artistas e trabalhadores da cultura. Os secretários municipais de Cultura, André Sturm, e da Fazenda, Caio Megale, justificaram o corte alegando que a situação orçamentária da cidade é muito delicada. Mas foram confrontados com dados do próprio orçamento municipal, que indicam recuperam da arrecadação e expõe a seletividade do corte realizado.

“A situação orçamentária se enquadra em uma profunda e gravíssima crise fiscal do país. O ISS (Imposto Sobre Serviços) vem caindo 5% ao ano desde 2015. A renegociação da dívida economizou R$ 1 bilhão por ano, mas o subsídio do transporte é de R$ 2 bilhões. A previdência são mais R$ 2 bilhões. O reajuste da inflação nos contratos de Organizações Sociais (OS) da saúde foi de R$ 400 milhões. E o orçamento aprovado é de R$ 54 bilhões, mas a arrecadação deve chegar, no máximo, a R$ 49 bilhões”, afirmou Megale.

Para Sturm, falar em desmonte da cultura é equivocado”, justificando que já conseguiu descongelar R$ 30 milhões. O orçamento da cultura é de R$ 518,7 milhões. Representa 0,9% do orçamento total da cidade. “Esse descongelamento permitiu retomar atividades da Escola Municipal de Iniciação Artística (Emia), 50 das 54 bibliotecas e 16 das 20 casas de cultura. O que significa que a população está tendo acesso à cultura”, afirmou Sturm, sendo vaiado pelos artistas. O secretário reafirmou que o congelamento geral se deu porque os programas vieram descritos como projetos.

Assessoria técnica

O vereador Antonio Donato (PT), no entanto, desmentiu a versão. “Todo o processo é acompanhado por assessores técnicos da secretaria que não permitiriam um erro que pudesse prejudicar o andamento do orçamento. E, se isso ocorreu mesmo, um simples decreto do prefeito indicando que o texto é outro resolveria a questão”, explicou.

O parlamentar trouxe dados da execução orçamentária municipal, que destoam das afirmações dos secretários. Primeiro, mostrando que o corte na Secretaria da Cultura é o quarto maior entre as 22 secretarias, apesar de seu orçamento ser um dos menores da cidade. Só perde para Habitação (83,32%), Serviços e Obras (71,4%) e Direitos Humanos (49,34%).

Donato também demonstrou que o corte atinge principalmente a parte de Fomentos e Cidadania Cultural da secretaria, em que o congelamento chega a 71,6% do total. Do orçamento de R$ 518,7 milhões, R$ 243,7 milhões foram congelados, equivalente a 47% e não 43,5% como foi divulgado.

Além disso, tomado o total do orçamento da função cultura – que inclui o Teatro Municipal e outros órgãos –, o montante congelado em janeiro chega a R$ 392 milhões (52%). Destes, R$ 197 milhões são relativos ao custeio dos programas e R$ 194 milhões eram destinados a investimentos (montante congelado integralmente). Dos R$ 30 milhões que Sturm citou, R$ 24 milhões estão em investimentos do total da função cultura e apenas R$ 7 milhões em custeio.

Arrecadação

Praticamente todos os programas de formação cultural financiamento de grupos estão congelados acima de 50%. Há exceções como o Programa de Valorização das Iniciativas Culturais (VAI), que costuma apresentar os projetos selecionados na primeira semana de abril, mas até agora não realizou a seleção, que teve corte de 35,5%. Conheça em detalhes a apresentação utilizada pelo vereador Donato.

Em relação à arrecadação, comparando o primeiro bimestre de 2017 com igual período do ano passado, o recolhimento tributário cresceu 7,92% na capital paulista. A receita de ISS subiu 13,6%. Com isso a cidade conseguiu R$ 9,4 bilhões em arrecadação nos dois primeiros meses do ano. O maior problema está nas transferências dos governos estadual e federal, que apresentam queda de 3,59% e 13,78%, respectivamente. Mas que não foram apontadas por Megale.

“A cultura detém menos de 1% do orçamento e pouco contribui para o equilíbrio das contas públicas. É preciso descongelar o mais breve possível, pois muitos editais se perdem com o passar do ano. Isso prejudica trabalhadores da cultura e também crianças e jovens que poderiam participar dessas ações. Proponho fazer uma agenda de descongelamento, que vá evoluindo ao longo do ano. Os artistas lutaram muito para conquistar esse orçamento”, disse Donato.

Durante toda a sessão, os artistas vaiaram o secretário Sturm e pediram sua saída da secretaria. Houve, inclusive, denúncias de perseguição por assessores da secretaria contra artistas que criticam o secretário ou o congelamento de verbas da cultura. E denunciaram alterações em programas, como no caso do Fomento à Dança e das Bibliotecas Vivas.

No caso do Fomento à Dança, a gestão Doria suspendeu um edital com a seleção iniciada. Três dias após a suspensão, a secretaria apresentou outro edital. O orçamento de até R$ 700 mil foi reduzido para R$ 250 mil, foi retirada a proposta de pesquisa e imposta a obrigatoriedade de que todos os projetos culminem em apresentações ou circulação de espetáculos. “Nós ingressamos com pedido de impugnação do novo edital, por que ele acaba com um programa de mais de dez anos”, explicou a dançarina Vanessa Macedo.

O bibliotecário e diretor do Sindicato dos Servidores Municipais de São Paulo (Sindsep), João Gabriel Guimarães, destacou que o programa Biblioteca Viva, anunciado como reestruturação dos espaços, na verdade está liquidando o acervo e restringindo o horário de funcionamento das unidades.

“Houve anúncio de funcionamento aos domingos, ótimo. Mas para isso muitas bibliotecas deixaram de abrir segundas e sextas. Além disso, o governo está removendo livros de geografia, história, filosofia e pretende fazer delas um modelo semelhante a livrarias. Para onde estão indo os acervos?”, questionou.

Pela proposta, a gestão Doria pretende mudar a política de aquisição para oferecer mais lançamentos, ao mesmo tempo em que organiza os espaços em novas categorias, como humor, romance, literatura policial, ficção científica, fantasia, mangás, “que são mais atrativas para o público”. “É uma proposta de higienização do acervo, sem diálogo, sem critério, que liquida a pluralidade”, protestou Guimarães. Recentemente, Doria publicou nas redes sociais uma resposta à organização ultraliberal Instituto Mises Brasil, dizendo que aceitaria doações de livros de economia do instituto.

Em 28 de março, em protesto contra o congelamento de verbas da cultura, artistas construíram um monumento ao prefeito e ao secretário Sturm: sete geladeiras foram fixadas em frente à sede da prefeitura, simbolizando o “iceberg” dos congelamentos da gestão. “Esse ato é poesia que se insurge contra o iceberg gigante que se tornou a prefeitura”, declamaram os manifestantes, em coro, enquanto projetavam imagens de uma geleira no prédio.

Entre os projetos e programas – muitos previstos em lei Municipal – afetados pelo congelamento estão os programas Vocacional e PIÁ; os Fomentos à Dança, ao Teatro, das Periferias, ao Circo; Jovem Monitor Cultural; o Programa de Valorização das Iniciativas Culturais (VAI e VAI II); além da programação de equipamentos culturais, tais como bibliotecas, centros culturais, Casas de Cultura e Centros Educacionais Unificados (CEU).