meias verdades

Organizações desmentem gestão Doria sobre ‘diálogo’ para definir corte no Leve Leite

Instituições citadas em nota da Secretaria Municipal da Educação dizem que não houve consulta no sentido de validar ou não uma estratégia para o programa

Aloisio Mauricio/Fotoarena/Folhapress

Gestão Doria disse que organizações foram consultadas sobre a decisão, mas informação foi desmentida

São Paulo – Ao contrário do que alegou quando divulgou o corte de 53% no programa Leve Leite, a gestão do prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB), não consultou organizações ligadas ao tema da nutrição e dos direitos das crianças e adolescentes para definir a medida. Em nota enviada à RBA, no dia 17, a Secretaria Municipal da Educação (SME) informava que “para este novo desenho a SME estabeleceu um diálogo com vários setores da sociedade”. Porém, a Fundação Abrinq, o Instituto Alana e o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), citados na nota, negaram ter sido consultados sobre a medida. Defensores dos direitos de crianças e adolescentes se mostraram indignados com o corte parcial do programa por Doria, que classificaram de “perverso”.

As organizações confirmaram que participaram de uma reunião com o secretário adjunto da Educação, Daniel de Bonis, no dia 21 de janeiro. Ele ouviu avaliações das organizações sobre o programa e ideias de como melhorar a alimentação das crianças, mas em nenhum momento apresentou a proposta de corte no Leve Leite. Segundo as entidades, foi feita uma proposta de criar um grupo de trabalho para pensar como melhorar o programa, sobretudo realizando uma avaliação de alcance e efetividade – que nunca foi feita, em 20 anos –, mas não houve resposta.

“As instituições puderam manifestar suas preocupações, mas não houve uma consulta formal sobre o Leve Leite, no sentido de validar ou não uma estratégia. Estratégia essa que, na ocasião, ainda estava ‘em construção’, segundo o próprio secretário”, informou o Instituto Alana. Essa versão foi confirmada pela Fundação Abrinq. O Sindicato dos Nutricionistas, também citado, não respondeu à reportagem.

A nutricionista Mariana Garcia, do Idec, ressaltou que a organização protocolou um pedido de reunião com o secretário da Educação, Alexandre Schneider, com objetivo de estabelecer o grupo de trabalho para debater mudanças no Leve Leite. O documento foi entregue no dia 8 fevereiro, cinco dias antes do anúncio do corte. “Entendemos que o encontro do dia 21 seria uma primeira reunião, para daí pensar a revisão do programa. Inclusive, nesse dia, foi dito que ainda não havia proposta definida. Mas não recebemos qualquer resposta da secretaria”, explicou.

A mudança no programa pela gestão Doria visa uma economia de R$ 160 milhões. No ano passado foram atendidas 916 mil crianças e adolescentes, com investimento de R$ 310 milhões. O corte vai excluir do programa cerca de 450 mil crianças de sete a 14 anos, faixa etária que deixará de receber o benefício.

A partir de março, o limite de idade será de 6 anos e 11 meses, para famílias com renda de até R$ 2.811. O leve Leite passará a atender 223 mil crianças nas unidades educacionais e outras 208 mil que serão localizadas por meio de cadastros sociais, como o Bolsa Família. A quantidade de leite em pó será reduzida, entre os estudantes, de dois quilos para um quilo por mês.

Segundo Mariana, as organizações consideram que o modelo do Leve Leite necessita ser revisado, mas defendem que o investimento que for retirado do programa seja destinado à alimentação escolar orgânica e oriunda da agricultura familiar e à pesquisa e educação alimentar e nutricional. Outra preocupação a ser avaliada em uma revisão é que, ao fornecer fórmulas infantis, o Leve Leite desestimula o aleitamento materno. Porém, mesmo com o corte, a gestão Doria vai seguir fornecendo as fórmulas.

“O corte pelo corte não é aceitável. O investimento em alimentação saudável, fresca, da agricultura familiar é o que tem de melhor em alimentação escolar em São Paulo. Então, ao mesmo tempo em que reduz o Leve Leite, que se aumente a alimentação orgânica nas unidades. Aí de fato estará melhorando a alimentação das crianças”, afirmou.

Em 2015, o ex-prefeito petista Fernando Haddad (2013-2016), regulamentou a Lei Municipal 16.140, que determina a inclusão de alimentos orgânicos e da agricultura familiar na alimentação escolar. A previsão é que até o fim de 2020, 20% da merenda tenha essa característica.

Ao explicar a medida, o secretário Schneider, defendeu que não há estudos que comprovem a necessidade do leite para além da primeira infância. “Do ponto de vista da saúde, da nutrição, os especialistas entenderam que o programa faz sentido para crianças pequenas e que estão em situação vulnerável. É fato que a prefeitura e a secretaria têm problemas orçamentários, mas a decisão foi técnica”, disse Schneider, em entrevista ao site G1. Essa informação foi contestada pela nutricionista Ana Paula Del’Arco, indicada à RBA pelo Conselho Regional de Nutrição da 3ª Região.

Em nota, a Asbran enviou resposta de presidenta da entidade, Daniela Fagioli, quanto a participação na discussão da revisão do programa Leve Leite:

“Em 20 de Janeiro de 2017, a Associação Brasileira – ASBRAN participou de um encontro na Secretaria Municipal de Educação da cidade de São Paulo, cujo tema central era o Programa Leve Leite. Na oportunidade estavam presentes representantes do Poder Executivo Municipal e de diversas Organizações da Sociedade Civil. Desta forma, à semelhança de outras entidades que ali estiveram, a ASBRAN se posicionou a favor da manutenção do Programa Leve Leite, porém com revisões importantes, incluindo a avaliação da eficácia do programa.

Ao final deste encontro, ficou definida a criação de um Grupo de Trabalho para a revisão deste programa, contemplando a participação do Conselho de Alimentação Escolar, Comissão Gestora da Lei Municipal 16.140/2015, COMUSAN, CODAE e FSP, além da construção de uma meta para Alimentação Escolar para inclusão no plano de metas municipais. Aguardamos, portanto, a formalização deste grupo para contribuirmos de maneira a garantir a promoção da saúde”.

A Secretaria Municipal da Educação não se manifestou.

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