Ambientalista considera que reflorestar com eucalipto ‘é uma mentira’

Sociólogo e coordenador de organização pensa que monocultivo florestal provoca perda de terras, desertificação de áreas rurais e seca de cursos d'água

Monoculturas como a do eucalipto não promovem a biodiversidade e servem só a interesses econômicos (Foto: Luiz Nogueira/ArquivoRBA)

São Paulo – Movimentos sociais em todo o mundo se uniram para debater os efeitos negativos criados pelas florestas plantadas. Este ano, o Dia Internacional de Luta contra os Monocultivos de Árvores coincidiu com o Dia da Árvore (na quarta (21)), que recebeu do Congresso Nacional a homenagem de um novo passo para mudanças no Código Florestal brasileiro.

No Brasil, a grande lembrança diz respeito ao plantio de eucaliptos. A Associação Brasileira de Celulose e Papel (Bracelpa) estima em 6,3 milhões de hectares a área de florestas plantadas no Brasil – 4,5 milhões em eucalipto e 1,8 milhões em pinus. Estima-se que se possa avançar a até doze milhões de hectares em 2020.

“Onde há monocultura de eucalipto em larga escala os córregos secam, não tem geração de trabalho e de emprego, não se cria uma economia local, foge a caça, a pesca desaparece”, lembra o sociólogo Marcelo Calazans, coordenador em Espírito Santo da Fase, uma organização não governamental que luta por direitos sociais.

Integrante da Rede Latino-americana contra o Monocultivo de Árvores (Recoma), ele aponta que comunidades quilombolas e camponesas foram sendo forçadas a deixar o campo ao longo das cinco décadas em que há um cultivo em larga escala de eucalipto no país.

A história repete o que foi contado na edição 46 da Revista do Brasil. As florestas plantadas não demandam muitos trabalhadores e, para serem cada vez mais lucrativas, precisam crescer em curtos intervalos de tempo. Para isso, o atalho preconiza o uso intensivo de adubagem química e agrotóxicos, o que acaba por contaminar cursos d’água, matar animais e prejudicar a saúde da população ao redor. Além disso, os eucaliptos exigem uma grande quantidade de água: cada dois gramas de árvore demandam um litro do líquido até o momento de corte, o que resulta no secamento de córregos e rios. 

“Reflorestar com eucalipto é uma grande mentira”, lamenta o sociólogo, que entende que se trata de um plantio sem vida. “Para o cidadão, a floresta indica um lugar de diversidade. De várias espécies de árvores de outras espécies vegetais, de existência de povos tradicionais, e também de animais.”

No caso brasileiro, o momento serve também para refletir sobre as possíveis mudanças no Código Florestal. O Congresso debate uma série de alterações que, sob o argumento da produtividade e da atualização das normas à realidade nacional, enfraquece a proteção dos principais biomas mediante a concessão de anistias a desmatadores e de redução das exigências de preservação. No Dia da Árvore, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado aprovou o texto-base sem muitas alterações em relação ao que foi aprovado na Câmara. 

“Esse Código Florestal não serve mais para a língua das grandes corporações. Ele se tornou um obstáculo porque denuncia um passivo de crimes e porque impede a expansão desenfreada”, sintetiza Calazans, em referência ao perdão que será concedido a todo o desmate realizado no país até 2008. 

Ele lamenta a atuação que têm Legislativo, Executivo e Judiciário nos três níveis da federação em relação aos eucaliptos. “Temos um histórico que permite uma avaliação dos impactos sobre a cadeia produtiva, o meio ambiente e sobre a sociedade civil”. Há poucas condenações judiciais a respeito da derrubada de mata original para o plantio de árvores. No sul da Bahia, empresas sofreram sentenças milionárias por devastar setores de Mata Atlântica, mas os recursos ainda não se esgotaram. No Vale do Paraíba, interior paulista, a Defensoria Pública estadual conseguiu paralisar o plantio em algumas cidades em caráter liminar, mas o julgamento do mérito não desperta grande afã. “Toda a indústria da madeira não aparece como monocultura. Eles se apresentam como plantadores de florestas.”

Para essa leitura colaboram não apenas as leis estaduais e nacionais, mas a visão da Organização das Nações Unidas (ONU). A FAO, agência da ONU para a alimentação, entende os bosques como qualquer área superior a meio hectare que tenha árvores de altura superior a cinco metros e cobertura vegetal superior a 10%. “É uma definição meramente matemática”, pontua o coordenador da Fase, que acredita que esta leitura serve a que as florestas plantadas possam servir como justificativa para o desmatamento. 

O Movimento Mundial pelas Florestas Tropicais enviou uma carta à FAO cobrando a definição de um novo critério que leve em conta a complexidade dos ecossistemas, contemplando a existência da fauna e de povos ancestrais.  

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