Chilenos querem acordo educacional negociado com o povo

Presidente da principal associação de professores do Chile analisa manifestações iniciadas há três meses só chegarão ao fim com uma reforma educacional negociada por baixo

São Paulo – A maior associação de professores do Chile e a maior entidade estudantil do país caminham juntas há três meses. Desde que começou o movimento por uma reforma educacional, os protestos crescem, se espalham, e está prometida para a próxima quinta-feira (14) a maior marcha desde a redemocratização do país.

Não é tarefa simples. O recorde anterior também é de alunos e docentes, que firmaram em 30 de junho o nome na história ao reunir, segundo os próprios cálculos, 400 mil pessoas em atos pelas principais cidades. Jaime Gajardo, presidente do Colégio de Professores, registra em entrevista à Rede Brasil Atual que o atual sistema é inviável.

O Estado concede incentivos tanto para as escolas privadas quanto para as públicas, em um modelo criado durante a ditadura de Augusto Pinochet. O resultado, para Gajardo, não é dos mais animadores, com um ensino que premia a desigualdade e a busca incessante por respaldo no mercado – em vez da qualidade.

Estudantes e professores recusaram o acordo oferecido esta semana pelo presidente Sebastián Piñera. Em cadeia nacional de rádio e TV, ele anunciou um pacote de US$ 4 bilhões para aumentar o número de bolsas e diminuir os juros pagos pelos universitários – tanto em instituições públicas quanto nas privadas é preciso pagar matrícula e mensalidades. 

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“Piñera, além disso, decidiu levar o tema ao Congresso, e não negociar diretamente com os movimentos nas regiões. Isso também provocou mal-estar porque o governo demonstra incapacidade de negociar um acordo e, portanto, há um retrocesso”, afirma Gajardo.

Confira a seguir os principais trechos da conversa.

RBA – Que expectativa se tem para a manifestação do próximo dia 14?

Jaime Gajardo – Convocamos uma grande paralisação social, cidadã, a favor da educação pública no Chile. Este movimento e esta ação está convocada pelo Colégio de Professores e pela Confederação de Estudantes Universitários, mas também se somam os secundaristas e vários setores de trabalhadores que identificaram com a causa. Isso vai consistir em uma paralisação de 24 horas que vem na mesma tônica dos de 16 de junho e de 30 de junho, as maiores manifestações que o Chile viu desde que chegou a democracia. Pensamos em mobilizar mais gente que da última vez, meio milhão de pessoas em todo o país.

“Piñera, além disso, decidiu levar o tema ao Congresso, e não negociar diretamente com os movimentos nas regiões. (…) O caminho do Congresso para nós não é confiável porque lá, em geral, opta-se por um acordo entre quatro paredes. Não estão em sintonia com o que demanda o povo.” – Jaime Gajardo, presidente do Colégio de Professores

Os motivos centrais desta convocação estão fixados em dois pontos. O primeiro é terminar com as desigualdades na educação em todos os níveis, o que ocorre por termos um sistema privatizador. E terminar com a municipalização, passando as escolas ao (controle) Ministério da Educação, e isso significa uns 40% das escolas do país. Recuperar a educação pública é muito significativo porque, tristemente, o sistema educacional chileno entrou em uma imensa crise porque tem uma educação de elite, que segmenta e que provoca uma tremenda desigualdade. De maneira lamentável, porque em vez de funcionar como um instrumento para acabar com a desigualdade, a educação se transformou em um elemento para reproduzi-la. 

Muitos universitários e profissionais ficam endividados por 15, 20 anos. Com dívidas astronômicas porque aqui se tem um conceito de educação superior como um investimento. Se você não consegue acompanhar o pagamento, se transforma em uma dívida impagável.

RBA – O acordo anunciado esta semana por Piñera não foi suficiente?

O governo seguiu um caminho de isolar este movimento no mundo político. Depois, tentou acordos separados, o que tampouco deu frutos. Como o ministro da Educação não pode conter a crise, o presidente da República assumiu diretamente o envio de uma proposta. Convocou uma cadeia nacional (de rádio e televisão) na qual se supunha que faria uma proposta para resolver a crise, mas ele insiste em um caminho que é de dar mais dinheiro para pagar dívidas, dar bônus, baixar os juros, mas que não ataca o fundamental. Ele não elimina o lucro, que é o que incentiva o movimento. Pior que isso, o legitima, o que vai levar a que o sistema educativo segregue ainda mais. Sobre a municipalização, que ele fala muito pouco, indica que não vai fazer nenhuma estatização. Ele descarta uma mudança de plano, o que provoca mal-estar nos movimentos, que rechaçaram essa proposta e vão seguir em frente.

“Vivemos um clima de protestos que explodiu agora, mas que veio incubando nos últimos anos. Este governo paga o pato, é quem recebe a pancada, mas havia sinais de que isso estava chegando cinco ou seis anos atrás.” – Jaime Gajardo, presidente do Colégio de Professores

Piñera, além disso, decidiu levar o tema ao Congresso, e não negociar diretamente com os movimentos nas regiões. Isso também provocou mal-estar porque o governo demonstra incapacidade de negociar um acordo e, portanto, há um retrocesso. O caminho do Congresso para nós não é confiável porque lá, em geral, opta-se por um acordo entre quatro paredes. Não estão em sintonia com o que demanda o povo.

RBA – A distância, tem-se a impressão de que, além da educação, há um certo desencanto, um cansaço com as formas tradicionais de se fazer política.

Em nosso país, faz três meses, estamos em um quadro de protestos generalizados, não apenas na educação. Primeiro, houve um grande movimento pelo meio ambiente, contra a criação de uma grande represa no sul do país. O pano de fundo é a falta de regulação das transnacionais que vêm investir em nosso país e que utilizam nossos recursos naturais, promovem uma exploração irracional e, ademais, deixam o equilíbrio ecológico destroçado, com consequências para a saúde e para a vida das pessoas.

Depois veio o movimento pela educação pública, ao qual se agregaram uma série de conflitos com trabalhadores portuários e os do cobre. Nesta segunda-feira (11) haverá uma grande paralisação pela exploração mineral. Não é pouca coisa, porque é nossa principal atividade econômica e somos os maiores exportadores de cobre do mundo. 

Vivemos um clima de protestos que explodiu agora, mas que veio incubando nos últimos anos. Este governo paga o pato, é quem recebe a pancada, mas havia sinais de que isso estava chegando cinco ou seis anos atrás.

RBA – Por que a Concertação (aliança de partidos que governou de 1990 a 2010) não promoveu mudanças numa herança do período ditatorial?

Esses problemas todos vêm da ditadura, que fez isto a que querem chamar modernização. O primeiro governo na democracia foi o de Patrício Aylwin, que prometeu que haveria mudanças de fundo, que não iria permitir que fossem vendidas empresas estatais. 

Mas a realidade foi diferente. Aqui se aplicou o que se chama política de consensos, ou política de acordos. É uma política de pequenos avanços e, por outro lado, que faz com que o caminho privatizador da ditadura se desenvolva ainda mais, e não se volte atrás. Há uma grande responsabilidade dos governos da Concertação, que, em suma, foram contra sua própria política. Hoje em dia estamos vendo as consequências. Você reforma algumas coisas, mas não muda o substancial. Ao não mudar o substancial, os problemas remanescentes explodem, afloram inevitavelmente.

RBA – Qual é a solução para o episódio educacional?

Todos os que estamos envolvidos nisso queremos um diálogo com os atores diretos. Sem querer desprezar os partidos, o Congresso, que também têm de envolver-se, mas o primordial é buscar acordo com os estudantes e professores. Ver princípios pelos quais serão orientados o sistema educativo. Há diferentes visões de como deve ser a educação. É preciso estar aberto a todas essas visões. E é preciso que se realize um plebiscito para definir qual a visão que vai prevalecer. Não pode seguir o que se vê hoje em dia, que é um governo que quer impor sua visão a todo o resto da sociedade. Isso, afinal, é evidentemente delicado, provoca um conflito e uma crise. Primeiro, busquemos os acordos com todos os atores, façamos um debate nacional e que a dúvida seja dirimida por um plebiscito. Mandamos um projeto de acordo com o que pensam os cidadãos ao Parlamento.